sábado, 27 de novembro de 2010

Mulheres de todo o mundo, uni-vos!



por Baby Siqueira Abrão

Oprimidas pela sharia, a lei de costumes dos fundamentalistas islâmicos, e pelas tradições tribais, as mulheres do Oriente Médio e da África começam a se organizar para mudar sua situação. No Afeganistão, elas exigem ser ouvidas nas conversações de paz -- que envolvem o Talibã, identificado pelas afegãs como seu pior inimigo --, para que sejam encontradas saídas capazes de garantir seus direitos. Por ter consciência de que a defesa desses direitos vem sendo usada com fins políticos pelos EUA e pela OTAN, elas pedem a retirada das tropas estrangeiras do Afeganistão.
Na África do Sul, onde a média de assassinatos domésticos de mulheres é o maior do mundo, elas vêm se unindo em várias áreas, em especial na COSATU (Congress of South African Trade Unions), para reivindicar políticas públicas não sexistas. E vão além, cientes de que sua situação é fruto de um sistema tradicional e de classes que traz miséria a seu país e obriga a população desassistida a recorrer ao único "instrumento de trabalho" que lhe resta -- o uso do corpo, a prostituição -- para sobreviver. Elas também têm clareza de que o problema só será superado com a sensibilização dos homens e sua adesão a essa luta.
Leia, a seguir, dois artigos publicados no portal Frontlines of Revolutionary Struggle sobre as mulheres do Afeganistão e da África do Sul.
A tradução de ambos os artigos é minha.


Afegãs querem liberdade e igualdade de direitos

Em Cabul, afegãs exigem que o governo adote medidas contra os assassinos de cinco mulheres


Por Kanya D'Almeida

NAÇÕES UNIDAS (IPS), 21/11/2010 - O Afeganistão não conhecerá a paz até que as mulheres possam participar das negociações em pé de igualdade com os homens, sublinha um relatório divulgado pelo Kroc Institute for International Peace Studies da Universidade de Notre Dame.
"Não queremos que o mundo nos veja como vítimas", disse Afifa Azim, diretora geral da Rede de Mulheres Afegãs, que está trabalhando em colaboração com o Kroc Institute. "As mulheres afegãs devem estar à mesa se o processo de paz quiser avançar. Se não houver mulher nas negociações, não haverá paz."
Co-autoria de David Cortright e Sarah Persinger, o relatório, intitulado "Mulheres afegãs falam: aumentando a segurança e os direitos humanos no Afeganistão", foi apresentado como parte da Conferência de Paz, que durante uma semana comemorou o 10 º aniversário da Resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU, “Sobre Mulher, Paz e Segurança. O relatório inclui cerca de 50 entrevistas com mulheres líderes, parlamentares, ativistas, diretoras de escolas, funcionárias de ONGs e de saúde, oficiais do exército e policiais de Cabul, no Afeganistão, entre abril e maio de 2010.
Desde que as forças lideradas pelos Estados Unidos derrubaram o Taliban, em 2001, os críticos dizem que Washington balançou a questão da emancipação das mulheres sobre a cabeça da comunidade internacional, utilizando-a para justificar a ocupação militar prolongada. Especialistas e decididores políticos do Ocidente em grande parte engoliram esse argumento, aceitando a justificativa da luta em prol das mulheres afegãs com grande entusiasmo, continuando a apoiar as tropas dos EUA e da OTAN no Oriente Médio.
Mas tais argumentos simplistas representam mais uma ameaça do que uma salvação para as mulheres afegãs, afirmam muitos.
"As mulheres estão conscientes de que seus direitos vêm sendo manipulados para fins políticos que nada têm a ver com suas prerrogativas socioeconômicas e políticas", disse Cortright, diretor de estudos de políticas do Kroc Institute.  "Elas desconfiam ao máximo dessas tentativas de justificar as políticas de militarização."
Ao apresentar seu relatório no Centro Eclesiástico das Nações Unidas em 18 de novembro, Cortright salientou que, para que a comunidade internacional trabalhe no sentido da obtenção de um processo de paz sustentável e equitativo, os EUA e seus aliados deveriam se retirar do Afeganistão imediatamente.
"É claro que a presença das tropas estrangeiras é o motor da insurgência", disse ele. "Temos visto que, quanto mais a ocupação prossegue, pior é a ameaça à segurança humana, maior é o número de civis mortos e mais forte se torna a insurgência."
A única questão, de acordo com Cortright, é como sair sem prejudicar os escassos ganhos que o movimento de mulheres conseguiu na última década.
Persinger, pesquisadora associada do Kroc Institute, advertiu que qualquer alteração política não deve prejudicar os grandes avanços conquistados para a emancipação das mulheres no Afeganistão desde a ocupação realizada pelas tropas ocidentais.
Várias entrevistadas expressaram opiniões decididas sobre melhorias na educação, no acesso à saúde e na participação econômica e política das mulheres após os talibãs terem perdido um pouco do terreno.
O que o relatório deixa claro, porém, é que, para a maioria das mulheres afegãs, a guerra significa escolher entre o demônio e o profundo mar azul. Autora e autor afirmam que será "impossível, para mulheres e meninas, consolidar seu poder num ambiente militarizado".
O relatório prossegue dizendo que "o clima de impunidade e insegurança produziu novas formas de impotência para mulheres e meninas afegãs [...] que se tornaram viúvas, tiveram de sair de seus locais de moradia, foram vítimas do tráfico e obrigadas a se casar, como resultado do conflito".
Por causa dos códigos de honra em relação às mulheres, consagrados na Sharia, a violência e a turbulência em Cabul após a invasão dos EUA levou ao enclausuramento dos membros da família do sexo feminino, prática gravemente prejudicial à liberdade de movimento das mulheres.
Muitas não estão autorizadas a deixar suas casas, nem mesmo para ir à escola. Como o Taliban vem recorrendo sistematicamente a ataques contra a população civil, em resposta à presença militar estrangeira, escolas e instalações médicas têm levado uma surra severa. Segundo o relatório, praticamente todas as escolas na província de Khost foram destruídas.
Embora historicamente a participação feminina nas eleições seja elevada – cerca de 45% --, a eleição de 2009, que decorreu sob a égide de vários observadores estrangeiros, teve uma participação insignificante: 20%.
Assim, o que é particularmente preocupante nos bastidores das conversações de paz envolvendo o Taliban é que as vozes das mulheres não serão ouvidas.
"Paz não significa ausência de armas", disse Aziz à IPS. "A paz deve acontecer em todas as esferas da vida social nacional. E isso significa igualdade de representação das mulheres nas negociações de paz."
Uma das recomendações do relatório é a criação de um governo interino, liderado por muçulmanos, para supervisionar a retirada das tropas ocidentais e para, ao mesmo tempo, trabalhar de perto com as mulheres, a fim de garantir uma transição justa para a paz. "O problema não é a sharia", Aziz observou, "mas a talibanização da sharia ."
Cortright sugeriu que a Organisation of the Islamic Conference [Organização da Conferência Islâmica] pode desempenhar um papel fundamental durante esse período. O relatório também destacou que a redução de tropas deve ser acompanhada por um aumento das dotações de auxílio para a educação e a saúde.
Entretanto, muitas mulheres afegãs continuam céticas e temerosas quanto ao futuro. Uma delas, falando sob a condição do anonimato, disse que a sharia torna quase impossível conceber as liberdades fundamentais como direitos reprodutivos, sociais e educacionais.
"Como podemos esperar ter representação nas negociações de paz quando não nos é nem mesmo permitido ser tratadas em hospitais? Isso não vai acontecer", informou a mulher à IPS.
A despeito das opiniões divergentes, parece reconhecer-se que o sucesso da Resolução 1325 depende de como ela responde às necessidades das mulheres no Afeganistão.
Azim apelou à ONU para levar a sério a precariedade da situação. "Sem o apoio de toda a comunidade internacional, as mulheres não terão paz no Afeganistão", disse ela à IPS.
 Originalhttp://revolutionaryfrontlines.wordpress.com/2010/11/21/afghan-women-demand-liberation-reject-being-pretext-for-war/#more-13210


Sul-africanas dão cartão vermelho para o patriarcado 

Sul-africanas exigem o fim da violência sexual  e organizam-se para lutar por seus direitos.

Por Tahir Sema, da União Sul-Africana dos Trabalhadores Municipais da COSATU
JOANESBURGO, 26/11/2010 -- No lançamento de outros 16 Dias de Ação vale a pena indagar se a campanha terá algum impacto. Afinal, para quase todos os lugares que você olhar, haverá indícios de que algumas coisas estão piorando.


Crianças em idade escolar vêm sendo acusados de estupro; clipes são feitos e distribuídos amplamente, mostrando jovens abusados por pessoas que têm a responsabilidade de cuidar deles; casais do mesmo sexo, sobretudo jovens lésbicas, continuam sujeitas ao horror do chamado “estupro corretivo". A lista é interminável. Para além das manchetes sensacionalistas da mídia, o abuso "cotidiano" de mulheres e crianças permanece, mesmo a portas fechadas.
Como se isso não bastasse, temos o degenerado espetáculo de um rico líder de negócios ricos comemorando seu aniversário de modo extravagante, comendo sushi sobre o corpo quase nu de uma mulher com metade de sua idade e ostentando o tratamento de um ser humano como objeto sexual.
Esses eventos não ocorrem por acidente. Eles não estão divorciados do que acontece em nossa sociedade. A condição econômica e social a que muitas pessoas estão presas alimenta um comportamento muito perigoso e prejudicial. Pergunte a qualquer mulher jovem que tenha um contrato de trabalho de curto prazo se ela acha que o assédio sexual é coisa do passado. E ouça atentamente a resposta. As jovens, em particular aquelas capturadas na armadilha dos contratos de curto prazo nos setores público e privado, estão cada vez mais sujeitas aos avanços impróprios de seus empregadores ou de seus agentes. Ou elas prestam favores sexuais ou voltam a fazer parte da enorme massa de desempregados.
Procure nas ruas de nossas cidades e vilas. Meninas e meninos dispõem-se à prostituição, a fim de escapar de um empobrecimento crescente. No contexto do HIV/AIDS isso é catastrófico para as gerações futuras.
Acreditamos que na raiz dessa situação está a reafirmação dos valores e das práticas patriarcais, e a ideia de que os homens, em especial aqueles com poder e influência, são irrepreensíveis. Como é possível que um líder nacional da juventude seja capaz de exibir publicamente a decisão de uma parte de nossa máquina de igualdade de Estado sem ser chamado à ordem pelos mais velhos ou pela Liga das mulheres? Essas questões "pessoais" e patriarcais podem ser consideradas fora de crítica e, portanto, fora dos limites?
No entanto, há esperança no horizonte. Muitas mulheres de todas as idades preparam-se para enfrentar e combater o assédio sexual. Muitas já não estão dispostas a ser espancadas por homens com egos danificados e com mortal baixa autoestima. As mulheres estão se organizando e dizendo “basta”!
Também é encorajador o fato de que muitos homens não permaneçam em silêncio quando outros homens usam termos sexistas para descrever as mulheres nem tenham conivência com representações negativas e com a exploração sexual. Muitos finalmente enxergaram a importância de se levantar contra o sexismo, a homofobia e outras tendências divisionistas, e usar de argumentação para unir a comunidade, principalmente os pobres e a classe trabalhadora. Essa atitude deve ser aplaudida e ampliar-se.
Com o aprofundamento da crise econômica, somos chamados a defender nosso padrão de vida e nosso emprego, mas devemos manter pé firme contra todas as formas de discriminação. Isso é essencial para maximizar a unidade e a solidariedade.
Essa união, como a maioria dentro da COSATU, tem muitas políticas corretas que procuram construir e celebrar a unidade da classe trabalhadora. A tarefa de todos aqueles que são sérios é denunciar os abusos, atuar contra o sentimento machista, racista, homofóbico ou xenófobo e persuadir os outros a fazer o mesmo.
Mais importante ainda, é dever de todos nós dar o exemplo e praticar o que pregamos para que nossos jovens possam se espelhar em modelos positivos. Só então podemos começar a quebrar o ciclo de abuso e “coisificação” que arruína muitas vidas jovens e promissoras, e construir uma sociedade que despreze os que medem o sucesso pelas peças de sushi que podem se equilibrar sobre a cintura de uma jovem nua.
Dê um cartão vermelho ao patriarcado! Abaixo o assédio sexual!
Mulheres e homens, levantem-se e unam-se contra o sexismo e contra todas as formas de discriminação!
Sindicalistas, vamos dar o exemplo e praticar o que pregamos!

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