segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Israel quer "salvar" Mubarak

Depois de ler o artigo de Michel Chossudovsky, a matéria do Haaretz ganha ares de teatro escolar. O governo de Israel parece desempenhar o papel do marido traído que não só sabia da traição da esposa como estimulava esse comportamento porque lhe convinha. No palco, porém, se faz de vítima -- papel que Israel sempre representou e que hoje não convence mais ninguém. 


Jerusalém procura convencer seus aliados de que é do interesse do Ocidente manter a estabilidade do regime egípcio
Por Barak Ravid/Haaretz
Tradução de Baby Siqueira Abrão

Neste fim de semana, Israel pediu aos Estados Unidos e a alguns países europeus que contivessem suas críticas ao presidente Hosni Mubarak, para preservar a estabilidade na região.
Jerusalém procura convencer seus aliados de que é do interesse do Ocidente manter a estabilidade do regime egípcio. As medidas diplomáticas vieram depois que declarações feitas nas capitais ocidentais indicaram que Estados Unidos e União Europeia [UE] apoiam a deposição de Mubarak.
Autoridades israelenses vêm mantendo um estilo low profile em relação aos acontecimentos no Egito. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ordenou aos membros do gabinete que evitem comentar publicamente o assunto.
Altos oficiais israelenses, no entanto, disseram que na noite de sábado o Ministério das Relações Exteriores emitiu uma instrução para cerca de uma dúzia de embaixadas-chave nos Estados Unidos, Canadá, China, Rússia e vários países europeus. Os embaixadores devem sublinhar, para seus países de acolhimento, a importância da estabilidade do Egito. Em um telegrama especial, eles foram orientados a fazer isso o mais depressa possível.
Os chanceleres da UE vão discutir a situação no Egito numa sessão extraordinária hoje, em Bruxelas. Depois disso espera-se a emissão de uma declaração nos mesmos termos das emitidas nos últimos dias pelo presidente dos EUA, Barack Obama, e pela secretária de Estado Hillary Clinton.
Obama convidou Mubarak a dar "passos concretos" para as reformas democráticas e a evitar o uso de violência contra os manifestantes pacíficos, sentimentos repetidos, em um comunicado na noite de sábado, pelos líderes de Grã-Bretanha, França e Alemanha.
"Os estadunidenses e os europeus estão sendo influenciados pela opinião pública e não têm considerado seus interesses genuínos", disse um alto funcionário israelense. "Mesmo que tenham críticas a Mubarak, eles devem fazer seus amigos sentirem que não estão sozinhos. Jordânia e Arábia Saudita veem as reações no Ocidente, percebem como todo mundo está abandonando Mubarak, e isso vai ter implicações muito sérias.”
Netanyahu anunciou ontem, na reunião semanal de gabinete, que o gabinete de segurança vai se reunir amanhã para discutir a situação no Egito.
"A paz entre Israel e Egito durou mais de três décadas e nosso objetivo é garantir que essas  relações continuem a existir", disse Netanyahu a seus ministros. "Monitoramos de perto os acontecimentos no Egito e na região e estamos fazendo esforços para preservar sua segurança e estabilidade".
O Ministério dos Negócios Estrangeiros pediu aos israelenses que estão no Egito a considerar voltar para casa. Já aqueles que pretendem visitar o Egito devem reconsiderar a decisão. Os israelenses que decidirem permanecer no Egito devem obedecer as diretrizes do governo, avisou o Ministério.


Em tempo: o governo sionista não consultou seu embaixador no Egito sobre a crise. Fala sério: e precisava?

Chossudovsky: EUA estão por trás dos protestos no Egito

Ontem, domingo, Iara Lee e eu falamos, on-line, sobre nossa felicidade ao ver a rebelião popular no Egito provocando a queda iminente do ditador Hosni Mubarak. Iara dizia que se tratava de legítima cultura de resistência -- referência à organização que fundou e mantém nos EUA e título do longa-metragem que realizou e lançou nas mostras de cinema do Rio de Janeiro e de São Paulo em 2010.
Bom, isso foi à tarde (horário do Brasil). À noite o amigo Macluf me enviou um artigo escrito por Michel Chossudovsky, uma das muitas vítimas da fascistização crescente dos EUA. Gosto muito dele, de suas reflexões e análises sempre bem fundamentadas em fatos. Sou sua leitora assídua e incondicional. Ele me ajuda a pensar meu país e o mundo.
Hoje, porém, eu preferiria não tê-lo lido. Foi um choque de realidade tão grande, mas tão grande, que eu, impotente diante dessa força planetária, chorei.
Quero fazer um adendo ao artigo do Michel: a política externa dos EUA é dirigida por judeus sionistas, segundo pesquisas e análises de vários acadêmicos estadunidenses e judeus não sionistas. Não é preciso falar mais nada, não é mesmo? Basta ler o artigo para saber quem está por trás disso tudo. É bem o estilão deles...
Alguém aí falou em Iluminati? Não? Ah, bom.


“Ditadores" não ditam ordens. Eles as obedecem.
por Michel Chossudovsky

O regime Mubarak pode entrar em colapso em consequência do vasto movimento de protesto em escala nacional. Quais as perspectivas para o Egito e o para mundo árabe?
"Ditadores" não ditam ordens. Eles as obedecem. Isso é verdade tanto na Tunísia como na Argélia e no Egito.
Ditadores são sempre fantoches políticos. Os ditadores não decidem.
O presidente Hosni Mubarak foi o fiel servidor dos interesses econômicos ocidentais e assim era Ben Ali.
O governo nacional é o objeto do movimento de protesto. O objetivo é remover o fantoche em lugar do mestre do fantoche. Os slogans no Egito são "Abaixo Mubarak, abaixo o regime". Não há cartazes antiamericanos... A influência avassaladora e destrutiva dos EUA no Egito e em todo o Oriente Médio permanece oculta. As potências estrangeiras que operam nos bastidores estão protegidas do movimento de protesto.
Nenhuma mudança política significativa se verificará a menos que a questão da interferência estrangeira seja tratada de modo explícito pelo movimento de protesto.
A Embaixada dos EUA no Cairo é uma entidade política importante, sempre ofuscando o governo nacional, e não é alvo do movimento de protesto. No Egito, em 1991, foi imposto um devastador programa do FMI na altura da Guerra do Golfo. Ele foi negociado em troca da anulação da multimilionária dívida militar do Egito para com os EUA, bem como de sua participação na guerra. A resultante desregulamentação dos preços dos alimentos, a privatização geral e medidas de austeridade maciças levaram ao empobrecimento da população egípcia e à desestabilização da sua economia.
O Egito era louvado como um "aluno modelo" do FMI. O papel do governo de Ben Ali na Tunísia foi impor os remédios econômicos mortais do FMI, os quais, num período de mais de vinte anos, serviram para desestabilizar a economia nacional e empobrecer a população tunisiana. Ao longo dos últimos 23 anos, a política econômica e social na Tunísia foi ditada pelo Consenso de Washington.
Tanto Hosni Mubarak como Ben Ali permaneceram no poder porque seus governos obedeceram e aplicaram efetivamente os diktats do FMI. De Pinochet e Videla a Baby Doc, Ben Ali e Mubarak, os ditadores têm sido instalados por Washington. Historicamente, na América Latina, os ditadores eram nomeados por meio de uma série de golpes militares patrocinados pelos EUA. Hoje eles são nomeados por intermédio de "eleições livres e justas" sob a supervisão da comunidade internacional.
Nossa mensagem ao movimento de protesto: as decisões reais são tomadas em Washington DC, no Departamento de Estados dos EUA, no Pentágono, em Langley, sede da CIA, na H Street NW, as sedes do Bando Mundial e do FMI. O relacionamento do "ditador" com interesses estrangeiros deve ser considerado. Derrubar fantoches políticos, sim, mas não esquecer de mirar os "ditadores reais".
O movimento de protesto deveria centrar-se na poltrona real da autoridade política; deveria ter como alvo a Embaixada dos EUA, a delegação da União Europeia, as missões nacionais do FMI e do Banco Mundial.
Uma mudança política significativa só pode ser assegurada se a agenda de política econômica neoliberal for jogada fora.
Substituição de regime
Se o movimento de protesto deixar de tratar o papel das potências estrangeiras, incluindo pressões exercidas por "investidores", credores externos e instituições financeiras internacionais, o objetivo da soberania nacional não será alcançado. Nesse caso, ocorrerá um processo estreito de "substituição de regime", o qual assegura continuidade política.
"Ditadores" são postos e depostos. Quando eles estão politicamente desacreditados e já não servem aos interesses dos seus patrocinadores estadunidenses, são substituídos por um novo líder, muitas vezes recrutado dentro das fileiras da oposição política.
Na Tunísia, a administração Obama já se posicionou. Ela pretende desempenhar um papel-chave no "programa de democratização" (isto é, manutenção das chamadas “eleições justas”). Ela também pretende utilizar a crise política como um meio de enfraquecer o papel da França e consolidar a sua posição no norte da África:
"Os Estados Unidos, que foram rápidos em avaliar a vaga de protesto nas ruas da Tunísia, procuram pressionar em seu proveito, a fim de promover reformas democráticas no país e outras mais além.
O alto enviado dos EUA para o Médio Oriente, Jeffrey Feltman, foi o primeiro responsável estrangeiro a chegar ao país depois de o presidente Zine El Abidine Ben Ali ser derrubado em 14 de janeiro e suavemente apelou a reformas. Ele disse na terça-feira que só eleições livres e justas fortaleceram e dariam credibilidade à liderança sob ataque do estado norte-africano.
"Espero utilizar o exemplo tunisiano em conversas com outros governos árabes”, acrescentou o secretário de Estado Feltman.
Ele foi despachado para o país norte-africano a fim de oferecer ajuda dos EUA na turbulenta transição de poder e encontrar-se com ministros e figuras da sociedade civil tunisiana.
Feltman viaja para Paris na quarta-feira a fim de discutir a crise com líderes da França, promovendo a impressão de que os EUA conduz o apoio internacional a uma nova Tunísia, em detrimento da antiga potência colonial, a França.
Países ocidentais apoiaram por longo tempo a derrubada liderança da Tunísia, encarando-a como um baluarte contra militantes islâmicos na região norte-africana. Em 2006, o então secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, falando em Túnis, louvou a evolução do país. A secretária de Estado Hillary Clinton, agilmente, interveio com um discurso em Doha a 13 de janeiro, advertindo líderes árabes para permitirem a seus cidadãos maiores liberdades ou [sofreriam] o risco de extremistas explorarem a situação.
"Não há dúvida de que os Estados Unidos procuram posicionar-se muito rapidamente do lado bom..." (AFP: US helping shape outcome of Tunisian).
Será que Washington terá êxito em nomear um novo regime fantoche?
Isso depende muito da capacidade do movimento de protesto de tratar o papel insidioso dos EUA nos assuntos internos do país. Os poderes avassaladores do império não são mencionados. Numa ironia amarga, o presidente Obama exprimiu o seu apoio ao movimento de protesto.
Muitas pessoas dentro do movimento de protesto são levadas a acreditar que o presidente Obama está comprometido com a democracia e os direitos humanos e é apoiador da resolução da oposição de destronar o ditador, o qual foi instalado pelos EUA.

Cooptação de líderes da oposição
A cooptação dos líderes dos principais partidos da oposição, de organizações da sociedade civil, na previsão do colapso de um governo fantoche autoritário faz parte dos desígnios de Washington, aplicados em diferentes regiões do mundo. O processo de cooptação é implementado e financiado pelos EUA com base em fundações incluindo o National Endowment for Democracy (NED) e o Freedom House (FH). Tanto o FH como o NED têm ligações ao Congresso dos EUA, ao Council on Foreign Relations (CFR) e ao establishment de negócios estadunidense. Tanto o NED como o FH são conhecidos por terem laços com a CIA.
O NED está envolvido ativamente na Tunísia, no Egito e na Argélia. A Freedom House apoia várias organizações da sociedade civil no Egito.
"O NED foi estabelecido pela administração Reagan depois de o papel da CIA nos financiamentos encobertos para derrubar governos estrangeiros ter sido trazido à luz, levando ao descrédito de partidos, movimentos, revistas, livros, jornais e indivíduos que receberam financiamento da CIA. ... Como uma fundação bipartidária, com participação dos dois principais partidos, bem como da AFL-CIO e da US Chamber of Commerce, o NED assumiu o comando do financiamento de movimentos para derrubar governos estrangeiros, mas abertamente e sob a rubrica da "promoção da democracia". (Stephen Gowans, January 2011. "What's left")
Embora os EUA tenham apoiado o governo Mubarak durante os últimos trinta anos, fundações dos EUA com laços no Departamento de Estado e no Pentágono apoiaram ativamente a oposição política, incluindo o movimento da sociedade civil. Segundo a Freedom House: "A sociedade civil egípcia é tanto vibrante como constrangida. Há centenas de organizações não governamentais dedicadas a expandir direitos civis e políticos no país, operando num ambiente altamente regulado". (Freedom House Press Releases).
Numa ironia amarga, Washington apoia a ditadura Mubarak, incluindo suas atrocidades, enquanto também apoia e financia seus detratores, através das atividades do FH, NED, dentre outras.
O esforço da Freedom House para envolver uma nova geração de advogados proporcionou resultados tangíveis e o programa New Generation, no Egito, ganhou proeminência tanto em nível local como internacional. Membros visitantes egípcios de todos os grupos da sociedade civil receberam [em maio de 2008] atenção sem precedentes e reconhecimento, incluindo reuniões em Washington com o secretário de Estado, o conselheiro de Segurança Nacional e membros eminentes do Congresso. Nas palavras de Condoleezza Rice, eles representam a "esperança para o futuro do Egito". (http://www.freedomhouse.org/template.cfm?page=66&program=84)

Política dupla: conversar com "ditadores", misturar-se com "dissidentes"
Sob os auspícios da Freedom House, em maio de 2008 dissidentes egípcios e oponentes de Hosni Mubarak foram recebidos por Condoleezza Rice no Departamento de Estado e no Congresso dos EUA.
Em maio de 2009, Hillary Clinton encontrou-se com uma delegação de dissidentes egípcios, visitando Washington sob os auspícios da Freedom House. Foram reuniões de alto nível. Esses grupos de oposição, que desempenham um papel importante no movimento de protesto, estão destinados a servir aos interesses dos EUA. Os EUA são apresentados como um modelo de liberdade e de justiça. O convite de dissidentes para o Departamento de Estado e o Congresso dos EUA pretende instilar um sentimento de compromisso e lealdade a valores democráticos estadunidenses.
Os mestres dos fantoches apoiam o movimento de protesto contra os seus próprios fantoches. Chama-se a isso "alavancagem política", "fabricação de dissidentes". O apoio a ditadores, bem como a oponentes do ditador, é um meio de controlar a oposição política.
Essas ações, por parte da Freedom House e do National Edowment for Democracy, por conta das administrações Bush e Obama, asseguram que a oposição da sociedade civil financiada pelos EUA não dirigirá suas energias contra os mestres do fantoche por trás do regime Mubarak, nomeadamente o governo dos EUA.
Essas organizações da sociedade civil financiadas pelos EUA atuam como um "cavalo de Troia" incorporado dentro do movimento de protesto. Elas protegem os interesses dos mestres do fantoche. Asseguram que o movimento de protesto das bases não considerará a questão mais vasta da interferência estrangeira nos assuntos internos de Estados soberanos.

Facebook, Twitter e blogueiros apoiados e financiados por Washington
Em relação ao movimento de protesto no Egito, vários grupos da sociedade civil financiados por fundações com sede nos EUA têm dirigido o protesto com o Twitter e o Facebook:
"Ativistas do movimento Kifaya (Basta) do Egito – uma coligação de opositores ao governo – e o Movimento da Juventude 6 de Abril organizaram os protestos nas redes sociais dos sítios web do Facebook e Twitter". (Ver Voice of America, Egypt Rocked by Deadly Anti-Government Protests). O movimento Kifaya, que organizou uma das primeiras ações dirigidas contra o regime Mubarak em 2004, é apoiado pelo International Center for Non-Violent Conflict, com sede nos EUA, ligado à Freedom House. Por sua vez, a Freedom House está  envolvida na promoção e no treino do Facebook e de blogs Twitter no Oriente Médio e no norte da África.
Os assistidos pela Freedom House adquiriram qualificações em mobilização cívica, liderança e planejamento estratégico, e se beneficiam de oportunidades em rede através da interação com doadores, organizações internacionais e a mídia baseados em Washington. Depois de retornarem ao Egito, os assistidos receberam pequenas subvenções para implementar iniciativas inovadoras, como advogar a reforma política no Facebook e em mensagens SMS. (http://www.freedomhouse.org/template.cfm?page=66&program=84)
 De 27 de fevereiro a 13 de março [2010], a Freedom House hospedou 11 blogueiros do Oriente Médio e do norte da África [de diferentes organizações da sociedade civil] para um Advanced New Media Study Tour de duas semanas em Washington, DC. O Study Tour deu aos blogueiros treino em segurança digital, feitura de vídeos digitais, desenvolvimento de mensagens e mapeamento digital. Também participaram de uma reunião no Senado e encontraram-se com responsáveis de alto nível na USAID, no Departamento de Estado e no Congresso, bem como com a mídia internacional, incluindo a Al-Jazeera e o Washington Post [jornal dirigido por sionistas]. (http://www.freedomhouse.org/template.cfm?page=115&program=84&item=87)
Pode-se facilmente perceber a importância concedida pela administração dos EUA a esse programa de treino de blogueiros, complementado com reuniões no Senado, no Congresso, no Departamento de Estado etc.
O papel do movimento no Facebook e no Twitter como expressão de dissidência deve ser cuidadosamente avaliado à luz de ligações de várias organizações da sociedade civil à Freedom House, à National Endowment for Democracy e ao Departamento de Estado dos EUA.

A Fraternidade Muçulmana
A Fraternidade Muçulmana constitui o maior segmento da oposição ao presidente Mubarak. Segundo informações, a Fraternidade Muçulmana domina o movimento de protesto.
Apesar de haver uma proibição constitucional de partidos políticos religiosos, membros eleitos ao parlamento egípcio como "independentes" constituem o maior bloco parlamentar.
A Fraternidade, contudo, não constitui uma ameaça direta aos interesses econômicos e estratégicos de Washington na região. Agências de inteligência ocidentais têm uma longa história de colaboração com a Fraternidade. O apoio britânico à Fraternidade, instrumentado pelo Serviço Secreto Britânico, remonta à década de 1940. A partir da década de 1950, segundo o antigo responsável de inteligência, William Baer, "A CIA [canalizou] apoio à Fraternidade Muçulmana devido à louvável capacidade da Fraternidade para derrubar Nasser". (1954-1970: CIA and the Muslim Brotherhood Ally to Oppose
Egyptian President Nasser)
Essas ligações encobertas da CIA foram mantidas na era pós-Nasser.

Notas conclusivas
A remoção de Hosni Mubarak está há vários anos nos planos da política externa dos EUA.
A substituição de regime serve para assegurar continuidade, ao mesmo tempo que proporciona a ilusão de que se verificou uma mudança política significativa.
A agenda de Washington para o Egito tem sido "sequestrar o movimento de protesto" e substituir o presidente Hosni Mubarak por um novo fantoche complacente na chefia do Estado.
O objetivo de Washington é sustentar os interesses de potências estrangeiras e defender a agenda econômica neoliberal que serviu para empobrecer a população egípcia.
Do ponto de vista de Washington, a substituição de regime não exige mais a instalação de um regime militar autoritário, como no auge do imperialismo estadunidense. Ele pode ser implementado pela cooptação de partidos políticos, incluindo a esquerda, financiamento de grupos da sociedade civil, infiltração no movimento de protesto e manipulação de eleições nacionais.
Em relação ao movimento de protesto no Egito, o presidente Obama declarou, num vídeo de 28 de janeiro difundido no Youtube: "O governo não deveria recorrer à violência".
A questão mais fundamental é: qual a fonte daquela violência?
O Egito é o maior receptor de ajuda militar dos EUA. Os militares egípcios são considerados a base de poder do regime Mubarak.
As políticas estadunidenses impostas ao Egito e ao mundo árabe durante mais de vinte anos, a par de reformas de "mercado livre" e da militarização do Oriente Médio, são a causa e a raiz da violência de Estado.
A intenção dos EUA é utilizar o movimento de protesto para instalar um novo regime.
O Movimento Popular deveria redirecionar suas energias: identificar o relacionamento entre os EUA e "o ditador". Destronar o fantoche político dos EUA mas não esquecer o alvo dos "ditadores reais".
Desviar o processo de mudança de regime.
Desmantelar as reformas neoliberais.
Fechar as bases militares dos EUA no Egito e no mundo árabe.
Estabelecer um governo realmente soberano.
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© Copyright Michel Chossudovsky, Global Research, 2011
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context=va&aid=22993.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Robert Fisk e a agonia da ditadura egípcia

O pessoal do Coletivo Vila Vudu é ótimo: já traduziu o mais recente artigo do Robert Fisk no The Independent. Li esta madrugada, mas, como estava caindo de sono, decidi traduzir hoje e postar. Não foi necessário. O Vila já tinha feito isso. Taí, escrito pelo Fisk, que subiu nos tanques junto com os árabes egípcios.
Israel: aguarde mais um pouco. Sua vez está chegando.

Nas ruas do Cairo, manifestantes protegem-se contra as bombas de gás lacrimogêneo. Nem a violência das forças de segurança do ditador Mubarak consegue deter uma população farta de desmandos e autoritarismo.

Egito: uma ditadura nos estertores da morte
por Robert Fisk/The Independent


Os tanques egípcios, os manifestantes em delírio sentados sobre eles, as bandeiras, os 40 mil manifestantes lacrimejando e gritando vivas na Praça da Liberdade e rezando à volta dos tanques, um membro da Fraternidade Muçulmana sentado entre os ocupantes do tanque. Pode-se talvez comparar à libertação de Bucareste? Subi eu também sobre um tanque de combate, e só conseguia pensar naqueles maravilhosos filmes da libertação de Paris. A apenas algumas centenas de metros dali, os guardas da segurança de Mubarak, nos uniformes pretos, ainda atiravam contra manifestantes perto do ministério do Interior. Foi celebração selvagem de vitória histórica, os tanques de Mubarak libertando a capital de sua própria ditadura.

No mundo de pantomima de Mubarak – e de Barack Obama e Hillary Clinton em Washington –, o homem que ainda se diz presidente do Egito deu posse a um vice-presidente cuja escolha não poderia ter sido pior, na tentativa de aplacar a fúria dos manifestantes – Omar Suleiman, chefe-negociador do Egito com Israel e principal agente da inteligência egípcia, 75 anos de idade e muitos de contatos com Telavive e Jerusalém, além de quatro ataques cardíacos. Não se sabe de que modo esse velho apparatchik doente conseguiria enfrentar a fúria e a alegria de 80 milhões de egípcios que se vão livrando de Mubarak. Quando falei a alguns manifestantes ao meu lado sobre o tanque, da nomeação e posse de Suleiman, houve gargalhadas.

Os soldados que conduzem os tanques, em uniforme de combate, sorridentes e às vezes aplaudindo os passantes, não fizeram qualquer esforço para apagar das laterais dos tanques os graffiti ali pintados com tinta spray. “Fora Mubarak! Caia fora, Mubarak!” e “Mubarak, seu governo acabou” aparecem grafitados em praticamente todos os tanques que se veem pelas ruas do Cairo. Sobre um dos tanques que circulavam pela Praça da Liberdade, vi um alto dirigente da Fraternidade Muçulmana, Mohamed Beltagi. Antes, andei ao lado de um comboio de tanques próximo de Garden City, subúrbio do Cairo, onde as multidões subiram aos tanques para oferecer laranjas aos soldados, aplaudindo-os como patriotas egípcios. A nomeação ensandecida e sem sentido de um vice-presidente [o primeiro, em 30 anos, e nomeação que significa que Mubarak desistiu de nomear o filho para substituí-lo no poder (NTs)] e a formação de um ‘novo’ Gabinete sem poder algum, constituído só de velhos conhecidos dos egípcios, evidenciam que as ruas do Cairo viram e veem o que nem os estrategistas e políticos dos EUA e da União Europeia souberam ver: que o tempo de Mubarak acabou.

As frágeis ameaças de Mubarak de que empregará repressão violenta em nome do bem estar dos egípcios  –  quando já se sabe que a sua própria polícia e suas milícias são responsáveis pelos ataques mais violentos dos últimos cinco dias – só geraram ainda mais fúria entre os manifestantes, vítimas de 30 anos de ditadura várias vezes muito violenta. Crescem as suspeitas de que os piores ataques da repressão foram executados por milícias não uniformizadas – inclusive o assassinato de 11 homens numa vila do interior do país nas últimas 24 horas –, tentativa de dividir o movimento e criar suspeitas contra as intenções democratizantes das manifestações contra o governo de Mubarak. A destruição dos centros de comunicações por grupos de homens mascarados – que se suspeita que tenha sido ordenada por alguma agência da segurança de Mubarak – também parece ter sido obra das milícias não uniformizadas que espancaram manifestantes.

Mas o incêndio de postos policiais no Cairo, Alexandria, Suez e outras cidades não foram obra daquelas milícias. No final da 6ª-feira, a 40 milhas do Cairo, na estrada para Alexandria, havia grandes grupos de jovens em torno de fogueiras acesas no meio da estrada e, quando os carros paravam, eram assaltados; os assaltantes exigiam dólares, sempre muitos, em dinheiro. Ontem pela manhã, homens armados roubavam carros, de dentro dos quais arrancavam motoristas e passageiros, no centro do Cairo.

Infinitamente mais terrível foi o vandalismo contra o Museu Nacional do Egito. Depois que a polícia abandonou o serviço de segurança do museu, houve invasão de saqueadores e vândalos, que roubaram ou destruíram peças de 4 mil anos, múmias e peças de madeira esculpida de valor inestimável – barcos, esculpidos com todos os detalhes e a tripulação, miniaturas magníficas, feitas para acompanhar os faraós na viagem pós-morte. Vitrines que protegiam trajes milenares foram quebradas, os guardas pintados de preto arrancados e depredados. Outra vez, é preciso registrar que há boatos de que os próprios policiais destruíram o museu, antes de fugir na 6ª-feira à noite. Lembrança fantasmagórica do museu de Bagdá em 2003. Bagdá foi pior, a destruição foi mais total, mas mesmo assim foi terrível o desastre do museu do Cairo.

Em minha jornada noturna da Cidade 6 de Outubro até a capital, tive de diminuir a velocidade várias vezes, porque a estrada está cheia de restos de veículos queimados. Havia destroços e vidros quebrados pela estrada, e muitos policiais armados, com rifles apontados para os faróis do meu carro. Vi um jipe semidestruído. Os restos do equipamento da polícia antitumulto que os manifestantes expulsaram da cidade do Cairo na 6ª-feira. Os mesmos manifestantes que, ontem à noite, formavam círculo gigantesco em torno da Praça da Liberdade para rezar. Gritos de “Allah Alakbar” trovejavam pela cidade no ar da noite.

Há também quem clame por vingança. Uma equipe de jornalistas da rede al-Jazeera encontrou 23 cadáveres em Alexandria, aparentemente assassinados pela polícia. Vários tinham os rostos horrivelmente mutilados. Outros onze cadáveres foram encontrados no Cairo, cercados por parentes que gritavam por vingança contra a polícia.

No momento, Cairo salta em minutos da alegria para a mais terrível fúria. Ontem pela manhã, andei pela ponte do rio Nilo e vi as ruínas do prédio de 15 andares onde funcionava a sede do partido de Mubarak, que foi incendiado. À frente, um imenso cartaz pregava os benefícios que o partido trouxe ao Egito – imagens de estudantes formados bem sucedidos, médicos e pleno emprego, promessas que o governo de Mubarak sempre repetiu e jamais cumpriu em 30 anos – emoldurados pela fuligem, semiqueimados, pendentes das janelas enegrecidas do prédio. Milhares de egípcios andavam pela ponte e pelos acessos laterais para fotografar o prédio ainda fumegante – e muitos saqueadores, a maioria velhos, que tiravam de lá mesas e cadeiras.

No instante em que uma equipe de televisão escocesa preparava-se para filmar as mesmas cenas, foi cercada por várias pessoas que disseram que não tinham o direito de filmar os incêndios, que os egípcios são povo orgulhoso que não roubaria nem saquearia. O assunto foi discutido várias vezes ao longo do dia: se a imprensa teria ou não o direito de divulgar imagens sobre essa “libertação”, que veiculassem ideias menos dignas do movimento. Mesmo assim, os manifestantes mantinham-se cordiais e – apesar das declarações acovardadas de Obama, na 6ª-feira à noite – não se viu nenhum, nem qualquer mínimo sinal de hostilidade contra os EUA. “Tudo que queremos, tudo, exclusivamente, é que Mubarak vá-se daqui, que haja eleições que nos devolvam a liberdade e a honra” – disse-me uma psiquiatra de 30 anos. Por trás dela, multidões de jovens limpavam o leito da rua, removendo restos de veículos e barreiras postas nas intersecções e esquinas – releitura irônica do conhecido ditado egípcio, de que os egípcios nunca varrerão as próprias ruas.

A alegação de Mubarak, de que as atuais demonstrações e atos de delinqüência – a combinação foi tema do discurso em que Mubarak declarou que não deixaria o Egito – seriam parte de um “plano sinistro” é evidentemente o núcleo de seu argumento, na tentativa de não perder o reconhecimento mundial.

De fato, a própria resposta de Obama – sobre a necessidade de reformas e o fim da violência – foi cópia exata de todas as mentiras que Mubarak sempre usou para defender seu governo durante 30 anos. Os egípcios riram de Obama – inclusive no Cairo, depois de eleito – quando exigiu que os árabes abraçassem a liberdade e a democracia. Mas até essas aspirações sumiram completamente quando, na 6ª-feira, Obama assegurou seu desconfortável e incomodado apoio ao presidente egípcio. O problema é o de sempre: as linhas do poder e as linhas da moralidade em Washington jamais convergem quando os presidentes dos EUA têm de lidar com o Oriente Médio. A liderança moral dos EUA cessa de existir quando há confronto declarado entre o mundo árabe e Israel.

E o exército egípcio, desnecessário lembrar, é parte da equação. Recebe de Washington mais de 1,3 bilhão de dólares de auxílio anual. O comandante desse exército, general Tantawi – que casualmente estava em Washington, quando a polícia tentava esmagar os manifestantes – sempre foi muito amigo, pessoal, íntimo, de Mubarak. Não é bom sinal, parece, pelo menos no futuro imediato.

Assim, a “libertação” do Cairo – onde houve notícias, ontem à noite, de saques no hospital Qasr al-Aini – ainda tem a andar, até a consumação. O fim pode ser claro. A tragédia ainda não acabou.

Original publicado em 30/1/11 em The Independent, UK:
http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/fisk/robert-fisk-egypt-death-throes-of-a-dictatorship-2198444.html 


Família de Mubarak foge do Egito

O amigo Macluf avisa: Wálter Fanganiello Maierovitch anuncia, em seu blogue, que o ditador Hosni Mubarak já depachou a família para Londres. Em outras palavras: ele sabe que perdeu. Sua deposição é questão de horas ou, no máximo, poucos dias. As eleições, previstas para outubro de 2011, serão antecipadas.
Leia a postagem completa a seguir. Ela foi publicada originalmente em http://maierovitch.blog.terra.com.br/2011/01/30/egito-eleicao-de-outubro-sera-antecipada-familia-de-mubarack-foge-para-londres-mubarack-ja-sabe-que-perdeu-e-ja-arruma-as-malas/.

Família de Mubarak foge para Londres
por Wálter Fanganiello Maierovitch

–1. Uma lenda está a circular no  Egito, cujo número de mortos, até as 12 horas deste domingo, chegou a 150.
As mortes estão ligadas aos protestos populares e às violências que eclodiram na terça 25.
Conta a lenda ter um comum do povo formulado pergunta ao antigo faraó. A pergunta foi considerada embaraçosa  pelos circunstantes.: “Como o senhor faraó conseguiu tornar-se tão poderoso ?
A resposta do faraó foi direta, sem rodeios ou leguleios: “ Ninguém nunca tentou me parar”.
–2. Hosni Mubarak chegou ao poder em outubro de 1981. Depois do assassinato por parte de extremistas islâmicos do presidente Anwar Sadat.
O general Mubarak era herói nacional. Lutara no Sinai e em Gaza (Guerra dos 6 dias) e, também, na chamada guerra do Kippur de 1973. Quando do assassinato de Sadat, Mubarack  era o vice-presidente e se tornou o sucessor natural.
Com apoio em eleições plebiscitárias marcadas pela fraude, Mubabarak, — como na lenda do faraó–, foi ficando e nem vice-presidente quis ter mais.
–3. A resistência do povo egípcio começa quando o octagenário Mubarak resolveu a preparar a sua sucessão. Tudo em face das eleições marcadas para outubro de 2011.
O nome tirado do bolso do colete pelo ditador foi o do filho mais novo, Gamal Mubarak, de 47 anos de idade e casado com a filha de um megaconstrutor.
Diante da reação popular desta semana e da proporção conquistada, — na verdade um efeito dominó iniciado com a revolta na Tunísia e que legou à deposição do ditador Ben Ali (fugiu para a Arábia Saudita)—, Mubarak tenta não jogar a toalha, ou melhor, luta para salvar alguns anéis, em especial ter de se exilar.
Por cautela e a seguir os passos do tunisiano Bem Ali, o presidente Mubarack despachou a família para Londres.
Como se percebe, começou a fuga. E isto corre entre os revoltosas nas ruas, praças ee casas.
Com efeito, os revoltosos já sabem da fuga e, hoje, receberam a adesão de juízes e clérigos. Juízes e clérigos saíram às ruas em apoio aos revoltosos.
–2. PANO RÁPIDO. Não há mais dúvida. Mubarak perdeu.
A nomeação de um vice-presidente militar, o general Omar Suleiman (74 anos), representa uma tentativa de retomar o controle da situação. Para isso, o poder, de fato, já foi entregue ao Exército.
Aliás, um Exército que deixou claro, pelos seus chefes, que não aceitaria Gamal Mubarak como sucessor,  como desejado pro Mubarack  para a eleição de outubro.
Omar Suleiman, com 20 anos na chefia do serviço secreto, teve papel importante como mediador entre palestinos e israelenses.
O Exército quer Omar Suleiman na chefia do estado e é o único nome capaz de evitar que o Egito saia da ditadura de Mubarak e cai numa islâmica radical.
Segundo dados do Instituto Georgáfico de Agostini, edição de 2010, a defesa de Mubarack estava a cargo de dois corpos de segurança: (1) Força de Segurança Central ( 232 mil homens) e (2) a Guarda Nacional ( 60 mil homens).
Apesar do grande um número de homens de segurança presidencial, a história se repete. Ou seja,  muitos agentes dos dois corpos de segurança já mudaram de lado e engrossam os protestos populares.
Omar Suleiman, no momento, conta com o apoio dos chefes militares e estes comandam 468.500 homens. Estão sendo anunciadas reformas e promessas de reformas constitucionais  democráticas: a Constituição é de 11 de setembro de 1971 e a última modificação, para aumentar os poderes de Mubarack, deu-se em  26 de março de 2007.
–Wálter Fanganiello Maierovitch–

Tanques do exército egípcio são tomados pela população

A multidão cerca os tanques do exército egípcio...

... e sobe neles. Pronto: os tanques são do povo.



O desespero de Mubarak é tão grande que, a uma ordem sua, a prisão ao sul do Cairo foi aberta e os presos saíram. Tomaram as ruas, promovendo "arrastões", pilhando, roubando, atacando. Nem o museu escapou: duas cabeças de múmias foram levadas. Tudo isso foi possível porque, numa ação coordenada com a abertura da prisão, a polícia retirou-se das ruas, para que os criminosos pudessem agir.

A população rapidamente se organizou, formando grupos que, armados com bastões, facas e objetos domésticos, passaram a proteger a vizinhança. 

O jornalista Robert Fisk subiu num dos tanques tomados pelos jovens do Cairo. E escreveu "É uma selvagem, histórica celebração da vitória: os tanques [do ditador] Mubarak libertando a capital da ditadura de Mubarak". Saravá!






A multidão contra o ditador

Egypt Recap
Manifestantes são atacados pela polícia egípcia na ponte Qasr al-Nil, perto da Praça Tahrir, no Cairo, em 28 de janeiro.



por Robert Fisk/The Independent

Tradução: Coletivo Vila Vudu/São Paulo
Pode ser o fim. Com certeza é o começo do fim. Em todo o Egito, dezenas de milhares de árabes enfrentaram gás lacrimogêneo, canhões de água, granadas e tiroteio para exigir o fim da ditadura de Hosni Mubarak depois de mais de 30 anos.

Enquanto Cairo mergulha em nuvens de gás lacrimogêneo das milhares de granadas lançadas contra multidões compactas, era como se a ditadura de Mubarak realmente andasse rumo ao fim. Ninguém, dos que estávamos ontem nas ruas do Cairo, tínhamos nem ideia de por onde andaria Mubarak – que mais tarde apareceria na televisão, para demitir todos seus ministros. Nem encontrei alguém preocupado com Mubarak.

Eram dezenas de milhares, valentes, a maioria pacíficos, mas a violência chocante dos battagi – em árabe, a palavra significa literalmente “bandidos” – uniformizados sem uniforme das milícias de Mubarak, que espancaram, agrediram e feriram manifestantes, enquanto os guardas apenas assistiam e nada fizeram, foi uma desgraça. Esses homens, quase todos dependentes de drogas e ex-policiais, eram ontem a linha de frente do Estado egípcio. Os verdadeiros representantes de Hosni Mubarak. 

Num certo momento, havia uma cortina de gás lacrimogêneo por cima das águas do Nilo, enquanto as milícias antitumultos e os manifestantes combatiam sobre as grandes pontes sobre o rio. Incrível. A multidão levantou-se e não mais aceitará a violência, a brutalidade, as prisões, como se essa fosse a parte que lhe coubesse na maior nação árabe do planeta. Os próprios policiais pareciam saber que estavam sendo derrotados. “E o que podemos fazer?” – perguntou-nos um dos guardas das milícias antitumulto. “Cumprimos ordens. Pensam que queremos isso? Esse país está despencando ladeira abaixo.” O governo impôs um toque de recolher noite passada. A multidão ajoelhou-se para rezar, à frente da polícia.

Como se descreve um dia que pode vir a ser página gigante da história do Egito? Os jornalistas devem abandonar as análises e apenas narrar o que aconteceu da manhã à noite, numa das cidades mais antigas do mundo. Então, aí está a história como a anotei, garatujada no meio da multidão que não se rendeu a milhares de policiais uniformizados da cabeça aos pés e e milicianos sem uniforme. 

Começou na mesquita Istikama na Praça Giza: um sombrio conjunto de apartamentos de blocos de concreto, e uma fileira de policias especializados em controle de tumultos que se estendia até o Nilo. Todos sabíamos que Mohamed ElBaradei ali estaria para as orações do meio dia e, de início, parecia que não haveria muita gente. Os policiais fumavam. Se fosse o fim do reinado de Mubarak, aquele começo do fim pouco impressionava.

Mas então, logo que as últimas orações terminaram, uma multidão de fiéis apareceu na rua, andando em direção aos policiais. “Mubarak, Mubarak”, gritavam, “a Arábia Saudita o espera”. Foi quando os canhões de água foram virados na direção da multidão – a polícia estava organizada para atacar os manifestantes, mesmo não sendo atacada. A água atingiu a multidão e em seguida os canhões foram apontados diretamente contra ElBaradei, que retrocedeu, encharcado.

ElBaradei desembarcara de Viena poucas horas antes, e poucos egípcios creem que chegue a governar o Egito – diz que só veio para ajudar como negociador –, mas foi atacado com brutalidade, uma desgraça. O político egípcio mais conhecido e respeitado, Prêmio Nobel, trabalhou como principal inspetor da Agência Nuclear da ONU, ali, encharcado como gato de rua. Creio que, para Mubarak, ElBaradei não passaria de mais um criador de confusão, com sua “agenda oculta” – essa, precisamente, é a linguagem que o governo egípcio fala hoje.

Aí, começaram as granadas de gás lacrimogêneo. Alguns milhares delas, mas algo aconteceu, enquanto eu caminhava ao lado dos lança-granadas. Dos blocos de apartamentos e das ruas à volta, de todas as ruas e ruelas, centenas, depois de milhares de pessoas começaram a aparecer, todas andando em direção à Praça Tahrir. Era o movimento que a polícia queria impedir. Milhares de cidadãos em manifestação no coração da cidade do Cairo daria a impressão de que o governo já caíra. Já haviam cortado a internet – o que isolou o Egito, do resto do mundo – e todos os sinais de telefonia celular estavam mudos. Não fez diferença.

“Queremos o fim do regime”, gritavam as ruas. Talvez não tenha sido o mais memorável brado revolucionário, mas gritaram e gritaram e repetiram, até derrotar a chuva de granadas de gás lacrimogêneo. Vinham de todos os lados da cidade do Cairo, chegavam sem parar, jovens de classe média de Gazira, os pobres das favelas de Beaulak al-Daqrour, todos marchando pelas pontes sobre o Nilo, como um exército. Acho que sim, são um exército.

A chuva de granadas de gás continuava sobre eles. Tossiam e esfregavam os olhos e continuavam andando. Muitos cobriram a cabeça e a boca com casacos e camisetas, passando em fila pela frente de uma loja de sucos, onde o dono esguichava limonada diretamente na boca dos passantes. Suco de limão – antídoto contra os efeitos do gás lacrimogêneo – escorria pela calçada e descia pelo esgoto.

Foi no Cairo, claro, mas protestos idênticos aconteceram por todo o Egito, como em Suez, onde já há 13 egípcios mortos. 

As manifestações não começaram só nas mesquitas, mas também nas igrejas coptas. “Sou cristão, mas antes sou egípcio” – disse-me um homem, Mina. “Quero que Mubarak se vá!” E foi quando apareceram os primeiros bataggi sem uniforme, abrindo caminho até a frente das fileiras da polícia uniformizada, para atacar os manifestantes. Estavam armados com cassetetes de metal – onde conseguiram? – e barras de ferro, e poderão ser julgados e condenados por agressão grave e assassinato, se o regime de Mubarak cair. São pervertidos. Vi um homem chicotear um jovem pelas costas, com um longo cabo amarelo. O rapaz gritou de dor. Por toda a cidade, os policiais uniformizados andam em pelotões, o sol refletindo no visor dos capacetes. A multidão já deveria ter sido intimidada, àquela altura, mas a polícia parecia feia, como pássaros encapuzados. E os manifestantes alcançaram a calçada da margem leste do Nilo.

Alguns turistas foram colhidos de surpresa no meio do espetáculo – vi três senhoras de meia idade, numa das pontes do Nilo (os hotéis, claro, não informaram os hóspedes sobre o que estava acontecendo –, mas a polícia decidiu que fecharia a extremidade leste do viaduto. Dividiram-se outra vez, para deixar passar as milícias não uniformizadas, e esses brutamontes atacaram a primeira fileira dos manifestantes. E foi quando choveu a maior quantidade de granadas de gás, centenas de granadas, em vários pontos, contra a multidão que andava sem parar por todas as grandes vias, em direção cidade. Os olhos ardem, e tosse-se horrivelmente, até perder o fôlego. Alguns homens vomitavam nas soleiras das portas fechadas das lojas.

O fogo começou, ao que se sabe, noite passada, na sede do NDP, Partido Democrático Nacional, partido de Mubarak. O governo impôs um toque de recolher, e há relatos de tropas na cidade, sinal grave de que a polícia pode ter perdido o controle dos acontecimentos. Nos abrigamos no velho Café Riche, perto da Praça Telaat Harb, restaurante e bar minúsculo, com garçons vestidos de azul; e ali,  tomando café, estava o grande escritor egípcio Ibrahim Abdul Meguid, bem ali à nossa frente. Foi como dar de cara com Tolstoi, almoçando em plena revolução russa. “Mubarak está sem reação!” – festejou ele. “É como se nada estivesse acontecendo. Mas vai, agora vai. O povo fará acontecer!” Sentamos, ainda tossindo e chorando por causa do gás. Foi desses instantes memoráveis, que acontecem mais em filmes que na vida real.

E havia um velho na calçada, cobrindo os olhos com a mão. Coronel da reserva Weaam Salim do exército do Egito, que saiu para a rua com todas as suas medalhas da guerra de 1967 contra Israel – que o Egito perdeu – e da guerra de 1973 que, para o coronel, o Egito venceu. “Estou deixando o piquete dos soldados veteranos” – disse-me ele. “Vou-me juntar aos manifestantes”. E o exército? Não se viram soldados do exército durante todo o dia. Os coronéis e brigadeiros mantêm-se em silêncio. Estarão à espera da lei marcial de Mubarak?

As multidões não obedeceram ao toque de recolher. Em Suez, caminhões da polícia foram incendiados. Bem à frente do meu hotel, tentaram jogar no rio Nilo um caminhão da Polícia. Não consegui voltar à parte ocidental do Cairo pelas pontes. As granadas de gás ainda empesteiam as margens do Nilo. Mas um policial ficou com pena de nós – emoção absolutamente inexistente, devo dizer, ontem, entre os policiais – e nos guiou até a margem do rio. E ali estava uma velha lancha egípcia a motor, de levar turistas, com flores plásticas e proprietário disponível. Voltamos em grande estilo, bebendo Pepsi. Cruzamos com uma lancha amarela, super rápida, da qual dois homens faziam sinais de vitória para a multidão sobre as pontes. Uma jovem, sentada na parte de trás da lancha, carregava uma imensa bandeira: a bandeira do Egito.