quarta-feira, 29 de junho de 2011

"Precisamos de um discurso de esquerda alternativo"

Em entrevista à Carta Maior, o filósofo Vladimir Safatle rejeita a idéia de mudar o mundo sem conquistar o poder e cobra espaço institucional para que a mídia possa de fato refletir a sociedade, por exemplo, com jornais, rádios e tevês para universidades e sindicatos. Intelectual comprometido em provar que as idéias pertencem ao mundo através da ação, Safatle vê limites na ascensão da classe C sem mudanças radicais na repartição da riqueza e defende: “Precisamos de um discurso de esquerda alternativo que esteja em circulação no momento em que as possibilidades de ascensão social (da chamada classe C) baterem no teto”.
Data: 15/06/2011
Carta Maior conversou com o filósofo Vladimir Safatle, professor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) e um dos mais instigantes analistas da cena política atual. Dotado de uma radicalidade não imobilista, o pensamento de Safatle joga luz nova sobre temas difíceis em torno dos quais a polaridade do campo da esquerda brasileira (PT versus não-PT) em geral patina, anda em círculos e não avança. Nesta entrevista à Carta Maior, o filósofo fala sobre as explosões populares (no mundo árabe e na Europa), a partir das quais alguns inferem a suposta agonia dos partidos políticos e discute os limites e trunfos conquistados pela chegada do PT ao poder no Brasil. 

O filósofo rejeita a idéia de mudar o mundo sem conquistar o poder e cobra espaço institucional para que a mídia possa de fato refletir a sociedade, por exemplo, com jornais, rádios e tevês para universidades e sindicatos. Intelectual comprometido em provar que as idéias pertencem ao mundo através da ação, Safatle vê limites na ascensão da classe C sem mudanças radicais na repartição da riqueza e convoca seus pares: “Precisamos de um discurso de esquerda alternativo que esteja em circulação no momento em que as possibilidades de ascensão social (da chamada classe C) baterem no teto”. Por fim aconselha Lula a transformar seu instituto numa ‘internacional Lulista’ –um instrumento que ajude a esquerda latinoamericana a chegar ao poder. Leia a seguir a entrevista concedida por email:

Carta Maior - O longo descrédito com os políticos e suas siglas parece ter inspirado uma sentença cada vez mais freqüente no debate: a de que a forma partido está esgotada . Ao mesmo tempo, esse diagnóstico parece embutir um desejo conservador – que não é novo - de desqualificar a representação do conflito social. O que existe de esgotamento e o que existe de vontade de antecipar o funeral de um adversário incômodo? 

Vladimir Safatle - Diria que temos um desafio de novo tipo. Primeiro, é certo que uma geracao de partidos de esquerda se esgotou exatamente por não dar conta da representacão do conflito social. Há uma camada de conflitos sociais que é simplesmente sub-representada ou invisível no interior da "forma partido". No exterior, o exemplo maior disto é a expoliacão econômica de imigrantes: pessoas sem voz no interior da dinâmica partidária. No Brasil, temos um embate em torno da dita nova classe média ao mesmo tempo que encontramos uma sub-representacão de conflitos próprias à "velha classe pobre". As revoltas dos trabalhadores em Jirau é um bom exemplo. Nenhum partido vocaliza tais revoltas. 

CM - Há uma variante desse diagnóstico, à esquerda. Ela se apóia em evidências, como as recentes manifestações de rua no mundo árabe e na Europa, supostamente convocadas e coordenadas via facebook. Aqui parece haver um ludismo com sinal trocado na medida em que se dá à tecnologia tratos de um fetiche. Tudo se passa como se "a tecnologia partidos" tivesse se esgotado. E uma nova ferramenta, agora em versão mais potente, viesse a sucedê-los com vantagens. Entre elas a ausência de intermediários e de corrupção. Mistificação ou novo espaço público? 

VS - É verdade, há muito de mistificacão nesta maneira de anunciar a internet como a esperanca redentora da política. O que ela fez foi, em larga medida, permitir o desenvolvimento de uma militância virtual e intermitente. É mais fácil fazer militância hoje, já que você pode operar da sua casa através de redes de contra-informacão. 

No entanto, insistiria que há uma tendência de mobilizacão social que tem pêgo os partidos a contra-pelo. Falta uma nova geracão de partidos capaz de dar forca institucional a tais mobilizacões. Este partidos talvez não funcionarão de maneira "tradicional", mas como uma frente, uma federacão de pequenos grupos que se organizam para certas disputas eleitorais e depois se dissolvem. É difícil ainda saber o que virá. Certo é apenas o fato de que os movimentos políticos mais importantes (revoltas na Grécia, Espanha, Portugal) parecem ser feitos atualmente à despeito dos partidos. O que limita seus resultados. Não creio que podemos "mudar o mundo sem conquistar o poder". Quem gosta de ouvir isto são aqueles que continuam no poder. Para conquistar o poder, temos que vencer embates eleitorais. 

CM - O debate sobre a irrelevância dos partidos convive com a realidade de um torniquete menos debatido: a captura da vida democrática pela supremacia das finanças. Ao normatizar o que pode e o que não pode ser objeto de conflito e de escrutínio, a hegemonia das finanças não teria engessado a própria democracia representativa? E assim contaminado todos os seus protagonistas com a sombra da irrelevância? 

VS - Certamente. Este é um dos limites da democracia parlamentar. Não há como escaparmos disto no interior da democracia parlamentar. Só se contrapõe ao domínio do mundo financeiro através de um aprofundamento da democracia plebicitária, como a Islândia demonstrou ao colocar em plebiscito o auxílio estatal a um banco falido. Devemos simplesmente deslocar questões econômicas desta natureza para fora da democracia parlamentar. Um Estado não pode emprestar bilhões para massa financeira falida sem uma manifestação direta daqueles que pagarão a conta. O problema é que vivemos em uma fase do capitalismo de espoliação. 

CM - A mídia é muitas vezes apontada como a caixa de ressonância dessa subordinação do conflito aos limites da finança. Nesse sentido a sua regulação não seria tão ou mais importante que o financiamento público de campanha? 

VS - Acho que a sociedade ocidental (e não apenas a brasileira) precisa, de fato, encarar a defasagem das leis a respeito da regulação econômica da mídia. Trata-se de um dos mercados mais oligopolizados e concentrados do planeta, o que está longe de ser algo bom para a democracia. Seria importante que houvesse um sistema que facilitasse a entrada de novos atores no campo midiático. Não consigo admitir, por exemplo, que universidades públicas, sindicatos e associacões tenham tão pouca presença em rádios, televisões e jornais. 

CM - O PT no Brasil condensa todos esses impasses ao personificar, na opinião de alguns, uma trágica verdade: o preço do poder é a necrose da identidade mudancista. Isso é fatal? Ou dito de outro modo:um partido depois de passar pelo poder ainda pode suprir o anseio de mudança da sociedade? 

VS - Ele pode suprir tais anseios, mas desde que esteja realmente disposto a avancar nos processos de modernização política e criatividade institucional, o que não creio ter sido o caso do PT. Há um profundo déficit de participacão popular nos governos do PT. Claro que se olharmos para a direita brasileira (PSDB e seus aliados) a situacão é infinitamente pior. Mas o PT, neste ponto, tem nos obrigado a votar fazendo o cálculo do mal menor. Ele tirou da sua pauta o aprofundamento de mecanismos de participação popular. O resultado será um embotamento político que pode se voltar contra a própria esquerda. 

CM - Algumas avaliações dizem que o governo Lula foi em parte a causa desse entorpecimento petista. Outros sugerem que o próprio Lula foi refém de uma energia política insuficiente para promover um projeto de mudança mais profundo na sociedade. Que ponto da régua estaria mais próximo da realidade em sua opinião? 

VS - Creio que Lula foi bem sucedido em ser uma espécie de Mata Hari do capitalismo global. Ele soube jogar em dois tabuleiros, um pouco como Getúlio Vargas. Sua política foi bipolar. Por exemplo, enquanto recebia George Bush falando que era seu maior aliado, seu partido fazia manifestacões contra a vinda do próprio George Bush. O resultado final deste processo foi criar um sistema muito parecido àquele deixado por Vargas. O PT é, hoje, herdeiro direto do PTB. O PMDB parece uma espécie de PSD sem uma figura carismática como Juscelino e a oposicão esmera-se no seu figurino UDN. Bem, é triste perceber que, quando o Brasil comeca a andar, ele sempre volta ao mesmo ponto de estabilidade política. Parece que nunca conseguimos ultrapassar este mecanismo bipolar. 

CM - O Governo Dilma será a culminância dessa acomodação histórica? Ou a crise mundial pode destravar o processo e inaugurar um novo ciclo, na medida em que impõe escolhas duras entre desenvolvimentismo versus financeirização?

VS - Creio que o governo Dilma será um governo que usará a margem de manobra fornecida pelo crescimento econômico em uma era onde as economias dos países europeus (assim como os EUA) continuarão em crise. Neste sentido, nossa única esperanca concreta de mudanca virá quando a dita nova classe média perceber que ele só continuará seu ciclo de ascensão se não precisar gastar fortunas com educacão e saúde privadas. No entanto, a consolidação de um verdadeiro sistema público de educacão e saúde não será feito sem uma pesada taxação sobre a classe rica e um aumento considerável na tributacão da renda. Isto, em um país como o Brasil, tem o peso de uma revolucão armada. Vejam que engracado, vivemos em um país onde a implantação de um modelo tributário das sociais-democracias européias dos anos 50 equivaleria a uma ação política da mais profunda radicalidade. Não creio que o PT fará algo neste sentido. Mesmo a discussão a respeito de um imposto sobre grandes fortunas foi abandonada. Precisamos de um discurso de esquerda alternativo que esteja em circulacão no momento em que as possibilidades de ascensão social baterem no teto. 

CM - O que seria uma agenda relevante para Lula e o seu Instituto numa conjuntura como essa de flacidez partidária e atritos duros entre desenvolvimento, igualdade e acomodação à crise? 

VS - O melhor que seu Instituto poderia fazer é organizar uma espécie de Internacional lulista que ajude a esquerda a vencer em países da América Latina.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A longa revolução árabe

Photo
por Vijay Prashad*
tradução do Coletivo Vila Vudu


A Revolução Árabe de 2011 prossegue. Os protestos continuam nos locais mais improváveis (no Bahrain, por exemplo). No Valentine’s Day, uma marcha de protesto em Manama não mostrou amor algum pelos parentes de al-Khalifah. Queria dar seu recado. “Exigimos uma Constituição escrita pelo povo”, cantavam os manifestantes. O líder da oposição disse à imprensa que “Há número incontável de policiais de batalhões antitumulto, mas mostramos que a violência contra nós só nos fortalece”. A polícia disparou balas revestidas de borracha e dispersou a multidão, ainda pequena. “Foi só o começo”, disse Hussain, depois de espancado e expulso das ruas.

Esses protestos pareciam improváveis, apenas porque a onda de resistência que se iniciou no final dos anos 1950s e alcançou o auge nos anos 1970s foi esmagada no início dos anos 1980s. Encorajadas pela derrubada da monarquia no Egito, no golpe liderado por Gamal Abdel Nasser, gente comum em todo o mundo árabe passou a almejar as suas próprias revoltas. Depois, foram o Iraque e o Líbano. Na península, as pessoas queriam o que Fred Halliday chamou de “Arábia sem sultões”.

A Frente Popular para a Libertação do Golfo Árabe Ocupado [ing. People’s Front for the Liberation of the Occupied Arab Gulf] emergiu das lutas em Dhofar (Omã). Queriam levar sua luta para toda a península. No Bahrain, o braço mais tímido desse grupo foi a Frente Popular. Não durou muito. Com o nasserismo em declínio nos anos 1970s, algum novo ímpeto desse republicanismo árabe só reapareceria com a Revolução Iraniana de 1979. A Frente Islâmica de Libertação do Bahrain tentou um golpe em 1981. Havia inspiração, mas não organização. Esse arquipélago árabe não podia seguir a via do Iêmen, onde uma organização marxista chegou ao poder em 1967.

Frutos dessas forças revitalizadas nos anos 1990s encontraram dura repressão pelo regime de al-Khalifah. Mas o novo regente, Hamad (formado na Universidade de Cambridge), foi esperto. Sabia lá uma ou outra coisinha sobre hegemonia. Impotente para esmagar os cabeças da resistência islamista, tratou logo de organizar eleições e arranjar um Parlamento eleito, deu direito de voto às mulheres e libertou alguns prisioneiros políticos. Foi o que bastou para satisfazer Washington e as empresas de petróleo. Nada como “estabilidade” para fazer crer que haja “democracia”.

Mas o vírus egípcio de 2011 superou até a democracia criada pelo Hamás. Os protestos estão de volta às ruas.

O contágio não é só político. É também, e talvez decisivamente, econômico. O Bahrain depende do petróleo para existir. O dinheiro do petróleo gerou especulação imobiliária (modelo de Dubai). Os beneficiários desse processo são a família real e a claque real que a cerca. As massas, de maioria xiita, estão furiosas, ante tanta riqueza que não gera qualquer progresso social. Com medo das massas xiitas, o monarca importou 50 mil trabalhadores estrangeiros para reconfigurar a paisagem demográfica. Essa política de Bahranização visava a por a força de trabalho (local) contra a força de trabalho (estrangeira). Não funcionou. E a crise agravou-se desde 2007, por causa da ideia do governo do Bahrain de cortar os subsídios para alimentos e combustível. Essas leis já foram suspensas, por causa da reação popular. A juventude na Tunísia, no Egito e no Iêmen conhece e admira os jovens britânicos, irlandeses, franceses, italianos – os mesmos que, esse ano, ocuparam as ruas de suas cidades, em protesto contra as medidas “de austeridade” de seus governos. Os jovens aparecem na linha de frente das revoltas, porque são os que mais perdem com os cortes de gastos públicos e com as políticas “de austeridade” que, na prática, hipotecam o futuro deles. São convulsões, também, contra os banqueiros e seus salários e bônus escandalosos – a elite de Davos e suas instituições.

Enquanto isso, a 5ª Frota dos EUA permanece atracada no Bahrain. O vice-almirante Mark Fox aquece os motores dos EA-6B Prowlers[1] para ação de emergência.

Abundam explicações para a Revolta Árabe. Há os que se refugiam em leituras trans-históricas, vendo nela um exemplo da luta por dignidade humana. Os árabes enfureceram-se. Já não aguentam. Tudo bem, mas é explicação excessivamente geral. Por que só agora se teriam enfurecido? Por que os protestos são o que são hoje? Por que as massas exigem o que hoje exigem?

Há também os que andam noutra direção, abandonando as leituras trans-históricas e procurando examinas circunstâncias específicas. Para esses, explicações generalistas são reducionistas e, portanto, limitam-se ao contingente: um evento (a autoimolação) levou a outro evento (o protesto) que levou a outro evento (a ocupação da praça Tahrir) e assim se chega ao megaevento (Mubarak mudou-se para a casa da praia). A história se torna uma sequência de eventos que se unem pela superfície, sem qualquer conexão abaixo da superfície.

Esses esforços para entender a Revolta Árabe leva a duas consequências: toma essas revoltas como se fossem revolução, e tende a vê-las como alguma Revolução “de 2011”, contra a Revolução “de 1952” liderada por Nasser. Por inspiracionais que as atuais revoltas sejam, são elos de um longo processo no mundo árabe que se estende até o século 19. Esse longo processo é a Revolução Árabe, que anseia por uma total transformação das estruturas de dominação que encarceram o futuro dos países árabes. A revolta de 1952 comandada por Nasser é um episódio dessa longa Revolução Árabe. Foi derrotada no final dos anos 1960s – e o Egito (e o mundo árabe) foram devolvidos às condições de subordinação de antes. A atual onda de agitação é mais um episódio daquela mesma longa Revolução Árabe.

A longa Revolução põe duas questões que permanecem sem resposta. Essas respostas são parte do andaime que se tem de construir para entender o que se passa nas terras árabes. A primeira questão pergunta sobre a economia daquela parte do mundo; a segunda, sobre a política.

Política

Quando o povo árabe se autogovernará ele mesmo, não mais governado por ditaduras e monarcas de partido único lá implantados para os mercados e capitais estrangeiros? Não faz muito, Sarkozy da França e Clinton dos EUA elogiaram seus amigos “democráticos” Ben Ali e Mubarak. Para mais completa obscenidade, Obama discutiu com os sauditas a transição democrática no Egito – que é o mesmo que consultar especialista em churrasco de costela gorda, sobre receitas vegetarianas.

Em 1953, o velho rei Farouk, de seu veleiro al-Mahrusa, escoltado pela Marinha do Egito, acenou para o povo que o rei considerava inferior: Nasser, filho de carteiro, e Sadat, filho de pequeno agricultor. O Golpe dos Coronéis dos dois visava a arrancar o Egito da monarquia e da dominação imperial. A nacionalização do comando da economia veio acompanhada de reformas na propriedade da terra. Mas foram reformas mal concebidas, e não conseguiram arrancar o poder das mãos da burguesia egípcia (cujo vício em dinheiro rápido continuou, com três quartos dos novos investimentos ajudando a inflar a bolha imobiliária). A economia foi sangrada para ampliar o aparato militar, necessário, principalmente, para combater os exércitos israelenses apoiados pelos EUA. A derrota do Egito na guerra de 1967 contra Israel levou à renúncia de Nasser, no dia 10 de junho. Milhares de egípcios tomaram as ruas do Cairo, daquela vez para pedir a volta de Nasser. E ele voltou, embora muito enfraquecido.

Mas a abertura democrática de 1952 não conseguiu emergir. Os oficiais do exército, mesmo os progressistas, não soltaram as rédeas do poder. O aparato de segurança foi usado para perseguir a Fraternidade Muçulmana, sim, mas também os comunistas. Nasser não construiu cultura política independente sólida. “Seu ‘socialismo’, como Stavrianos colocou, “foi socialismo por decreto presidencial, implementado pelo exército e pela polícia política. Não houve nem iniciativas nem participação dos movimentos de base”. Por isso, quando Sadat empurrou o país na direção da direita, nos anos 1970s, praticamente não encontrou oposição. O nasserismo depois de Nasser foi tão vazio quanto o peronismo depois de Perón.

A atual revolta no Egito é contra o regime implantado por Sadat e desenvolvido por Mubarak. É estado de segurança nacional sem pretensões democráticas. Em 1977, Sadat identificou o nasserismo com “campos de prisioneiros, pessoas sob ‘custódia’, sequestros, sistema de opinião única e partido único”. Sadat admitiu que emergissem três tipos de forças políticas, mas arrancou-lhes os dentes e as garras (o National Progressive Grouping Party, da esquerda), cooptou-os (o Arab Socialist Party e o Socialist Liberal Party), ou tolerou que existissem (a Fraternidade Muçulmana). Matreiramente, Sadat implantou o que acusara Nasser de estar construindo. No governo de Sadat (e de Mubarak, comandados por Omar Suleiman) os campos de prisioneiros e centros de tortura multiplicaram-se.

Na praça Tahrir,  Ahmed Abdel Moneim, 22 anos, disse que “a Revolução Francesa demorou muito para dar ao povo os direitos que o povo exigia”. Sua luta, em 2011, combate o estado de segurança nacional. Essa a principal demanda. A dinâmica de que Ahmed quer ser parte ativa é a dinâmica do nasserismo, mas, dessa vez, terá de ser sem os militares. Foi o que o Egito aprendeu com a história.

A outra lição nos vem de Nadine Naber, que faz lembrar que as mulheres são parte crucial dessa onda de revolta, como sempre foram, antes, e apesar disso, quando a revolta impõe-se, as mulheres são postas de lado, como agentes políticos de segunda classe. “Qual a possibilidade de que haja alguma democratização de direitos no Egito”, pergunta Naber, “que ponha no centro do processo a participação das mulheres, os direitos das mulheres, a lei da família e o direito de organizar-se, protestar e se manifestar com plena liberdade?”

Naber repete a mesma pergunta feita em 1957 por Karima El-Said, ministra da Educação da República Árabe Unida (“nos países afro-asiáticos, onde o povo sofre sob o tacão do colonialismo, as mulheres participam ativamente da luta por completa independência nacional. Estão convencidas de que a independência é o primeiro passo para a emancipação das mulheres e lhes permitirá ocupar seu verdadeiro espaço na sociedade”). É a segunda lição da história: que a democracia que venha capacite os cidadãos.

Economia

A segunda pergunta ainda não respondida da longa Revolução Árabe pergunta sobre pão e o direito a trabalho digno. Quando as economias nacionais na região árabe serão capazes de alimentar as populações, mais do que engordar as organizações financeiras do mundo Atlântico e garantir fundos massivos de dinheiro para ditadores e monarcas? Amaldiçoado pelo petróleo, o mundo árabe não conhece diversidade econômica nem jamais fez qualquer tentativa para usar a riqueza do petróleo para gerar desenvolvimento social equilibrado para o povo. Em vez disso, o dinheiro do petróleo voa para o ocidente, para gerar crédito a consumidores na economia superaquecida dos EUA, e para prover bancos e banqueiros com quantidades incríveis de dinheiro que, por muito tempo, foi convertido em poupança por quem o recebia (os americanos, por muito tempo, pouparam 1% dos salários, número compreensível, dada a estagnação dos salários desde 1973). O dinheiro do petróleo também foi canalizado para o boom imobiliário no Golfo e para as mesas de baccarat e serviços de acompanhantes de luxo em Mônaco (a Las Vegas da Europa, onde reina Albert II, mais um monarca decrépito).

Como parte da des-nasserização do Egito operada por Sadat, a economia foi aberta (infatah) ao capital estrangeiro. Fim da nacionalização e dos subsídios, e criaram-se zonas livres para instalação de empresas, em fevereiro de 1974. Sadat queria uma “transfusão de sangue” para a economia egípcia, e os bancos atlânticos começaram a arrancar galões de sangue dos trabalhadores egípcios. Surgiram centenas de lojas de bebidas, bares e clubes noturnos (alvo das revoltas de janeiro de 1977 no Cairo).

Construiu-se a desigualdade no Egito e as políticas neoliberais inventaram uma alta burguesia que tinha mais investimentos em Londres que em Alexandria. Em 2008, cerca de 40% da população vivia com menos de 2 dólares por dia. Em outubro de 2010, as cortes obrigaram o governo a aumentar o salário mínimo, de $70 para $207 mensais.

Porque Sadat e Mubarak caparam o esforço para criar diversidade na economia, o Egito depende hoje de ganhos de renda para sobreviver (dinheiro enviado do exterior por trabalhadores egípcios, taxas cobradas para transitar pelo Canal de Suez, exportação de petróleo e gás e pagamentos recebidos por privatizações, dentre outros). E parte considerável dessas rendas foram desviadas por Mubarak para suas contas em bancos suíços. Não há via fácil para democratizar essa economia. Mubarak não é o único tirano: há também o FMI, o Banco Mundial, todos os bancos, o ‘mercado’, as empresas transnacionais.

Há greves em todo o Egito, protestos à frente dos ministérios, protestos contra a carestia – essa é a face da revolta em curso. Os egípcios parecem ver claramente que a partida de Mubarak significa o fim da estrutura neoliberal que foi montada a partir dos anos 1970s. Querem aumentos de salários e melhor gestão da riqueza que entra no país – e expandir a atividade econômica.

* * *

Ao longo dos últimos vinte anos, vimos dois tipos de revoltas. O primeiro, como, por exemplo, as revoltas na Europa Oriental, foram revoltas contra o sufocamento que se viu na fase final do estado soviético. Indiferentes às promessas envelhecidas daquele socialismo, o povo buscou refúgio no glamour da economia de mercado. Foi revolta pelo mercado. Duas décadas depois, os sonhos do leste europeu já se converteram em horrível pesadelo.

O segundo tipo de revolta, que se vê hoje no mundo árabe, mas também a revolta do povo das Filipinas contra Marcos e a revolta do povo da Indonésia contra Suharto, são revoltas contra o mercado. São revoltas de massas populares que querem aumento de salário social. Começaram como revoltas contra autocratas envelhecidos (Ben Ali, Mubarak, Marcos, Suharto) e logo se converteram em revoltas que aspiram a uma nova ordem social e econômica.

Nas terras árabes, esses eventos de 2011 não marcam o início de alguma nova história: são a continuação de lutas que ficaram inacabadas há quase cem anos. Alguns se afundam no desencanto, e diminuem a importância das duas grandes vitórias que foram a deposição de Ben Ali e de Mubarak. São movimentos que fazem aumentar a confiança das pessoas e empurram adiante outras lutas. A velha ordem ainda resiste, mas já sabe que sua hora está próxima. No filme Gladiator (2000), os germânicos degolam um soldado romano e jogam a cabeça à frente das legiões romanas. Um dos generais de Roma diz: “Deveriam saber que estão derrotados”. Falava dos germânicos ainda beligerantes. Os ditadores do mundo árabe ainda jogarão algumas cabeças decepadas, para impedir o avanço do povo. Mas já deveriam saber que estão derrotados. É questão de tempo: cem anos, ou dez.


[1] A principal missão dos jatos EA-6B Prowler é neutralizar as defesas do inimigo, como apoio em ataques aéreos, interrompendo a atividade eletrônica do inimigo e recolhendo informação de inteligência eletrônica na área de combate (mais, em http://www.navy.mil/navydata/fact_display.asp?cid=1100&tid=900&ct=1).


*Vijay Prashad é professor de história do sul asiático e de estudos internacionais no Trinity College, Connecticut, EUA.

Publicado em Counterpunch, 15/2/2011




quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Em Paris, a intelligentsia do silêncio

O artigo de Thomas Wieder, à Page Trois do Le Monde de 6 de fevereiro, é importante por vários motivos. Um deles é mostrar como a propaganda antiislâmica, embutida na "guerra ao terror" deflagrada depois da queda das torres gêmeas e da torre 7 do World Trade Center (gestada e executada por forças de segurança do complexo terrorista Israel-EUA), conseguiu se impor à racionalidade na cabecinha dos intelectuais franceses. Nesse sentido, a diferença entre eles e as vítimas do PiG brasileiro limita-se à sofisticação dos argumentos: em lugar de repetir o que diz a mídia submetida ao "império" neocon-sionista, os intelectuais recorrem a seu conhecimento para tentar legitimar o preconceito que alimentam em relação aos povos do Oriente Médio -- para eles, uma espécie de "absolutamente outro", para usar a linguagem filosófica. Para quem conhece pensadores realmente sérios de outras eras, é motivo de lamentação, no mínimo.
Outro motivo da importância do artigo é pôr a nu uma Europa atônita com um mundo que ela imaginou, um dia, dominar, e que se mostra cada vez mais avesso a todo tipo de dominação. Depois de roubar a ciência dos árabes, as terras dos nativos da América do Sul; depois de retalhar a África para tomá-la e de provocar nela uma hecatombe cujos efeitos são sentidos ainda hoje; depois de criar o demoníaco mandato britânico na Palestina, que levou à afirmação do sionismo como força e perigo mundial; depois de exportar cultura e uma pretensa sofisticação à periferia do capitalismo, a elite europeia não sabe o que fazer diante das intifadas em curso no Oriente Médio. Habituada a decisões de gabinete, não tem referências intelectuais para pensar a vontade e a resiliência dos povos que um dia, repito, imaginou dominar. Por fim, o questionamento aos modelos mentais dos intelectuais franceses também é uma bela façanha do autor do artigo. 
A esses intelectuais ofereço um trecho da letra de Chico Buarque: "A história é um carro alegre/ cheia de um povo contente/ que atropela, indiferente,/ todo aquele que a negue". 
À leitura, pois, agradecendo ao pessoal do Coletivo Vila Vudu pela tradução. 
Minhas observações estão entre [ ] e nesta cor. Os destaques em negrito são todos meus.
Baby




Obnubilados pelo islamismo, incapazes de pensar uma democracia árabe, ou apenas ignorantes, os intelectuais fazem-se discretos sobre as revoltas em curso. Aplaudir, até aplaudem. Júbilo, até que há. Mas ninguém se mostra empolgado. A palavra de ordem é prudência. Diante da contestação que agita o mundo árabe-muçulmano, os intelectuais franceses parecem dilacerados entre duas injunções contraditórias. Em geral lépidos para inflamar-se quando um povo ergue-se contra a tirania, eis agora os intelectuais franceses, surpreendentemente discretos. “Esse silêncio ensurdecedor não é habitual”, reconhece o sociólogo Rémy Rieffel, autor de Intellectuels sous la Ve République [Os intelectuais na 5ª República] (Hachette, 1995). Mas explica-se, porque muitos de nossos intelectuais estão um pouco sem jeito.” 

“Sem jeito”, que seja. Eis, de fato, o que estaria perturbando os intelectuais franceses da hora. Para o filósofo Régis Debray, a explicação é clara: “E o que queriam ouvir desse pessoal que passa as férias em Marrakech ou em palácios na Tunísia ou no Egito?” A esse argumento, o autor de Pouvoir intellectuel en France [Poder intelectual na França] (Ramsay, 1979) acrescenta um segundo: “Estão mentalmente catatônicos, porque padecem de medo pânico do islamismo e não sabem o que pensar de movimentos populares que, mais cedo ou mais tarde, podem virar-se contra Israel”. 

Quase sempre em desacordo com Régis Debray, sobretudo na questão israelenses-palestinos, Alain Finkielkraut aproxima-se dele nesse ponto: “Digo ‘admiração’, mas digo também ‘vigilância’, porque o que se sabe hoje, especialmente, é que ninguém sabe o que surgirá disso tudo”. O filósofo, além do mais, distingue cuidadosamente os casos tunisiano e egípcio: “Na Tunísia, considerado o papel das mulheres e a compostura dos manifestantes, tudo faz crer que se trate de verdadeiro movimento democrático, que tirou Ben Ali do poder. No Egito é mais complicado: se se veem os ataques contra os coptas, se se sabe que o país vive há anos sob campanha anti-Israel e antissemita [correção da Baby a Finkielkraut: antissionista; os árabes, como os hebreus, são semitas. De nada, colega], se se lêem cartazes do tipo “Moubarak sionista” e se se sabe que o Irã se beneficia do que está acontecendo, não digo que se deva esperar o pior, mas que há motivo para estarmos preocupados, e que é preciso evitar avaliações definitivas.” 

Banir todos os “slogans simples”, eis a tarefa à qual se dedica Bernard-Henri Lévy. Mas para o filósofo (membro do conselho de supervisão do Monde [e defensor do Estado sionista]), essa “indispensável consideração à complexidade da situação” não deve impedir o engajamento. Ao contrário. “Temos dois deveres”, explica o diretor da revista La Règle du Jeu. O primeiro é ajudar os democratas a levar avante sua aposta política e, isso, encorajando-os para que se engajem com clareza: a favor da liberdade de expressão, por exemplo; a favor do respeito ao pluralismo; e também, porque isso também é democracia, a favor do respeito ao Tratado de Paz Israel-Egito de 1979 [eles não resistem a jargões e descontextualização; adaptam a história a seus interesses...]. O segundo dever é desejar que os movimentos democráticos estendam-se ao conjunto do mundo árabe-muçulmano.” 

Uma “timidez” legítima ligada, como resume o historiador Jean Lacouture, a uma modalidade de “incerteza quanto ao rumo dos acontecimentos” e ao “medo de ver triunfar os fundamentalismos”. É uma explicação positiva, a qual, ao menos, honra, adornando-os com os trunfos da prudência, os intelectuais franceses contemporâneos. Mas há explicações menos honrosas, que também devem ser expostas.

Umas, consideram uma “cegueira” que acometeria alguns que se sentem culpados em relação aos regimes hoje contestados. É a tese de Olivier Mongin. Repetindo que "melhor Ben Ali que Bin Laden", e “melhor Mubarak que a Fraternidade Muçulmana”, muitos se deixaram prender numa contradição: os mesmos que defendiam o respeito aos direitos humanos na Europa do Leste estariam apoiando ditadores do mundo árabe sob o pretexto de que seriam escudos contra o islamismo. “A dificuldade, para os intelectuais, é conceber os valores democráticos em culturas diferentes da sua”, explica o diretor da revista Esprit. [destaques da Baby]

Na base desse moralismo de geometria tão mutável, Daniel Lindenberg identifica o que não hesita em chamar de “preconceito racista”. Autor de ensaio consagrado à deriva “neoconservadora” de parte da intelligentsia (Le Rappel à l’ordre [Chamado à ordem], Seuil, 2002), esse especialista em história das ideias vai direto ao ponto. “É preciso, infelizmente, dizer o que é: muitos intelectuais creem, no fundo deles mesmos, sinceramente, que os povos árabes são geneticamente atrasados e que só respondem à política do chicote.” 

Herdado do período colonial, esse preconceito foi reforçado depois do 11 de setembro. “Para muitos, é muito difícil sair da sequência iniciada em 2001 e marcada pelo credo neoconservador, para o qual o Islã seria sinônimo de terrorismo”, explica Daniel Lindenberg. Obcecados pelo medo da Xaria, foram apanhados "de calças curtas", como se não tivessem sido programados para compreender que o que se passa, especialmente na Tunísia, é simplesmente uma “primavera dos povos”. 

Esse estado de “confusão mental” é percebido também por André Glucksmann. Para o filósofo, “a surpresa pela qual passam, como ele, muitos intelectuais, não é consequência apenas do fato de que todas as revoluções, por sua natureza, sempre surpreendem”. Aquela surpresa explica-se, mais fundamentalmente, pela “ideia de que tal sopro de liberdade parecia impossível no que se convenciona chamar de ‘mundo árabe’”. 

Para André Glucksmann, contudo, os eventos em curso devem conduzir-nos sobretudo a “separarmo-nos definitivamente de duas grandes teorias em voga logo depois da queda do muro de Berlim”. A primeira, chamada “do fim da história”, e divulgada em 1989 pelo politólogo norte-americano Francis Fukuyama, pretendia que “a modernização econômica implica a democratização”. A segunda, chamada “do choque das civilizações” e defendida em 1996 pelo politólogo norte-americano Samuel Huntington, tende a fazer do mundo islâmico um bloco monolítico hostil por natureza aos valores ocidentais. “O que hoje acontece no Egito lembra, por um lado, que um regime que se desenvolve economicamente (sic) não se democratiza necessariamente; e, por outro lado, que os árabes não são condenados pelo nascimento nem pela cultura ao despotismo”, explica André Glucksmann.

Intelectuais prisioneiros de esquemas de pensamento que os tornam pouco aptos a refletir sobre o novo? Para Henry Laurens, titular da cadeira de História Contemporânea do Mundo Árabe no Collège de France, o problema começa antes da queda do muro de Berlim. “Se os intelectuais midiáticos não têm grande coisa a dizer, é porque a maioria deles continua a raciocinar com categorias brotadas da Guerra Fria: analisam o totalitarismo islâmico como analisaram o totalitarismo soviético”. 

Destacando que “muitos, como Raymond Aron, souberam pensar a democracia liberal mas foram incapazes de pensar o terceiro mundo”, o historiador observa que “a discrição dos intelectuais ditos generalistas” não nos deve fazer esquecer “a força que ganham os especialistas”, também chamados pesquisadores especializados. “O mundo árabe”, explica ele, “é setor muito bem investigado pelos pesquisadores franceses. Mas é verdade que os ‘academics’, mesmo quando ultracompetentes em seus campos, tendem a ser reticentes quando se trata de tomar posição sobre áreas geográficas que não conhecem como a palma da mão. São os que se manifestam de modo quase sempre muito nuançado, e cujas vozes ouvem-se menos que as dos 'grandes' intelectuais sempre prontos a deitar lições a torto e a direito.” 
É um modo de dizer que as próprias mutações da própria cena intelectual, elas também, e não só alguma louvável circunspecção ou eventuais culpas ligadas a circunstâncias de momento, estariam levando os maîtres à penser franceses a se mostrarem tão discretos, dessa vez.

Israel envia a Mubarak armas para dispersar multidões


Três aviões israelenses levaram para Hosni Mubarak, ditador do Egito, armas para dispersar multidões. Perigosas, elas são feitas com um gás de uso proibido internacionalmente. 

Os sionistas dão mais uma prova de que desrespeitam a soberania dos povos vizinhos e seu direito de escolher como querem viver. Agora querem reprimir as manifestações da população egípcia contra o regime de Mubarak, na tentativa de mantê-lo no poder. 
A Rede Internacional para os Direitos e o Desenvolvimento afirmou que apoio logístico israelense foi enviado ao presidente do Egito, Hosni Mubarak, para ajudar seu regime a enfrentar as manifestações públicas exigindo sua deposição. Segundo relatórios da organização não-governamental, três aviões israelenses aterrissaram no Aeroporto Internacional do Cairo no sábado, carregando equipamentos perigosos para dispersar multidões e reprimi-las.
O comunicado da Rede Internacional afirma que as forças de segurança egípcias receberam a carga completa de três aviões israelenses que carregavam uma quantidade abundante de gás internacionalmente proibido para dispersar multidões. Se as notícias forem precisas, indicam que o regime egípcio está se preparando para o pior em defesa da sua posição, apesar do naufrágio país no caos.
No domingo, 30 de janeiro, o primeiro-ministro sionista Benjamin Netanyahu dirigiu-se aos ministros do governo israelense em uma declaração pública dizendo: "Nossos esforços visam a manutenção continuada da estabilidade e da segurança na região ... e devo lembrar que a paz entre Israel e Egito durou mais de três décadas ... atualmente trabalhamos para garantir a continuidade dessas relações ... Estamos acompanhando o desenrolar dos acontecimentos no Egito e na região em alerta ..."
O primeiro-ministro sionista pediu aos ministros do governo israelense que se abstenham de fazer quaisquer declarações adicionais para a mídia.


Multidão na Praça Tahir, no Cairo, Egito: se depender de Israel, os milhares de egípcios que lutam contra a ditadura em seu país receberão doses altas de gases perigosos para a saúde como "prêmio" pela ousadia de decidir escolher o próprio destino. O governo sionista, com isso, comprova sua posição de pária em relação ao direito internacional, de desrespeito  à vida humana e à soberania dos povos.
Fonte: MEMO

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Egito: tudo começou com uma jovem muçulmana

Quando o medo impede que bilhões manifestem seu descontentamento... quando a voz de bilhões está presa na garganta... alguém tem de mostrar a cara, dar o primeiro passo e o primeiro grito.
No Egito, a primeira cara, e primeiro passo e o primeiro grito foram dados por uma mocinha muçulmana, de fala mansa mas decidida, de voz doce mas firme, de rosto suave e vontade de aço.
Foi ela que chamou a multidão às ruas. Foi ela que, dias antes do histórico 25 de janeiro, foi à Praça da Liberdade, no Cairo, para protestar contra a corrupção, a pobreza, a falta de respeito com que o governo trata a população egípcia -- e que já levara quatro jovens egípcios a atear fogo ao corpo, como na Tunísia. Um desses jovens morreu. Nesse dia, a mocinha postou um aviso na sua página do Facebook: iria à praça depois do trabalho e atearia fogo ao corpo se nada fosse feito para mudar aquele estado de coisas.
Três garotos juntaram-se a ela. Com um cartaz de protesto nas mãos, ela começou a gritar, o mais alto que podia, por que decidira queimar a si mesma até a morte: para lutar pela dignidade do povo egípcio. Dezenas de pessoas a cercaram e logo a polícia chegou, impedindo-a de agir.
A mocinha então fez um vídeo caseiro e o postou no You Tube, convocando aqueles capazes de mostrar a indignação, aqueles que não tinham vergonha, aqueles que ainda tinham honra, a juntar-se a ela no dia 25 de janeiro de 2011 na Praça da Liberdade para protestar contra a ditadura de Mubarak.

O nome dela é Asmaa Mahfouz, 26 anos. Egípcia. Árabe. Universal. Salám Aláikum, Asmaa!

Você verá três vídeos. O primeiro é o que Asmaa colocou no Facebook, chamando seus compatriotas para reunir-se a ela, em protesto, em 25 de janeiro. Você perceberá que ela pediu que, se as pessoas não quisessem ir à praça, que se encontrassem onde quer que fosse e protestassem. As pessoas fizeram isso, como você deve ter lido na primeira postagem de Robert Fisk -- e, em grupos, acorreram à praça, como Fisk testemunhou.
No segundo, Asmaa comenta suas impressões sobre o 25 de janeiro. Já o terceiro traz uma entrevista dela para a MEMRI TV -- The Middle East Media Research Institute.

Agradeço ao amigo palestino Husán Bajis por ter avisado que tudo começou com ela. Saravá, Husán e Asmaa! Estamos com vocês, palestinos, egípcios, jordanianos, tunisianos, sírios, ienemitas e todas as pessoas que ainda têm honra, dignidade e coragem de mudar este mundo.

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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Jornalista egípcio explica a intifada no Egito

Repare: Hossam usa o xale palestino. O PiG internacional não conta, mas os manifestantes egípcios gritam palavras de ordem pró-Palestina, contra Israel e o sionismo.


Hossam el-Hamalawy é um jornalista e blogueiro do site 3arabawy. Mark LeVine, professor da Universidade da Califórnia, conseguiu contactar Hossam por meio do Skype e conseguiu um informe em primeiro mão sobre os eventos que estão ocorrendo no Egito. Hossam destaca o papel que a juventude e o movimento sindical estão desempenhando nos protestos contra a ditadura egípcia e prevê momentos difíceis nas relações com os EUA. "Qualquer governo realmente limpo que chegue ao poder na região, entrará em um conflito aberto com os EUA, porque proporá uma redistribuição racional da riqueza e terminará com o apoio a Israel e a outras ditaduras".
Data: 31/01/2011
Hossam el-Hamalawy é um jornalista e blogueiro do site 3arabawy. Mark LeVine, professor da Universidade da Califórnia, conseguiu contactar Hossam por meio do Skype e conseguiu um informe em primeiro mão sobre os eventos que estão ocorrendo no Egito.

Por que foi necessária uma revolução na Tunísia para tirar os egípcios das ruas em uma quantidade sem precedentes?

No Egito dizemos que a Tunísia foi mais um catalisador que um instigador, porque as condições objetivas para um levantamento existiam no país e durante os últimos anos a revolta estava no ar. Já tivemos duas mini-intifadas, ou “mini-Tunísia” em 2008. A primeira foi um levantamento em abril de 2008 em Mahalla, seguido por outro em Borollos, no norte do país.

As revoluções não surgem do nada. Não temos mecanicamente uma amanhã no Egito porque ontem ocorreu uma na Tunísia. Não é possível isolar esses protestos dos quatro últimos anos de greves de trabalhadores no Egito ou de eventos internacionais como a intifada al-Aqsa e a invasão do Iraque pelos EUA. A eclosão da intifada al-Aqsa foi especialmente importante porque nos anos 80 e 90 o ativismo nas ruas havia sido efetivamente impedido pelo governo como parte da luta contra insurgentes islâmicos. Só seguiu existindo nos campus universitários ou nas centrais dos partidos. Mas quando estourou a intifada em 2000 e a Al Jazeera começou a transmitir suas imagens, isso inspirou a nossa juventude a tomar as ruas, da mesma maneira que hoje a Tunísia nos inspira.

Como se desenvolvem os protestos?

É muito cedo para dizer como se desenvolveram. É um milagre que continuaram ontem depois da meia noite, apesar do medo e da repressão. A situação chegou a um ponto em que todos estão fartos, seriamente fartos. E mesmo que as forças de segurança consigam aplastar os protestos hoje não poderão aplastar os que ocorrerão na próxima semana, no próximo mês ou, mais adiante, durante este ano. Definitivamente há uma mudança no grau de coragem do povo. O Estado usou a desculpa do combate ao terrorismo nos anos 90 para acabar com todo tipo de dissenso no país, um truque utilizado por todos os governos, incluindo os EUA. Mas uma vez que a oposição formal a um regime passa das armas a protestos massivos, é muito difícil enfrentar esse tipo de dissenso. Pode-se planejar a liquidação de um grupo de terroristas que combate nos canaviais. Mas o que vão fazer diante de milhares de manifestantes nas ruas? Não podem matar a todos. Nem sequer podem garantir que os soldados o façam, que disparem contra os pobres.

Qual a relação entre eventos regionais e locais neste país?

É preciso entender que o regional é local no Egito. No ano de 2000, os protestos não começaram como protestos contra o regime, mas sim contra Israel e em apoio aos palestinos. O mesmo ocorreu com a invasão dos EUA no Iraque três anos depois. Mas uma vez que se sai para as ruas e se enfrenta a violência do regime, a pessoa começa a se fazer perguntas: por que Mubarak envia soldados para enfrentar os manifestantes ao invés de enfrentar Israel? Por que exporta cimento para Israel, que o utiliza na construção de assentamentos, ao invés de ajudar os palestinos. Por que a política é tão brutal conosco quando só tratamos de expressar nossa solidariedade com os palestinos de maneira pacífica? E assim os problemas regionais como Israel e Iraque passaram a ser temas locais. E, em poucos instantes, os manifestantes que cantavam slogans em favor dos palestinos começaram ma fazê-lo contra Mubarak. O momento decisivo em termos de protestos foi em 2004, quando o dissenso se tornou interior.

Na Tunísia, os sindicatos desempenharam um papel crucial na revolução, já que sua ampla e disciplinada organização assegurou que os protestos não fossem sufocados facilmente. Qual o papel do movimento dos trabalhadores do Egito no atual levantamento?

O movimento sindical egípcio foi bastante atacado nos anos oitenta e noventa pela polícia, que utilizou munição de guerra contra grevistas pacíficos em 1989 durante greves nas plantas siderúrgicas e, em 1994, nas greves das fábricas têxteis. Mas, desde dezembro de 2006, nosso país vive continuamente as maiores e mais sustentadas ondas de ações grevistas desde 1946, detonadas por greves na indústria têxtil na cidade de Mahalla, no delta do Nilo, centro da maior força laboral do Oriente Médio, com mais de 28 mil trabalhadores. Começou por temas trabalhistas, mas se estendeu a todos os setores da sociedade com exceção da polícia e das forças armadas.

Como resultado dessas greves, conseguimos obter dois sindicatos independentes, os primeiros de sua classe desde 1957, o dos cobradores de contribuições de bens imóveis, que inclui mais de 40 mil funcionários públicos e o dos técnicos de saúde, mais de 30 mil dos quais lançaram mês passado um sindicato independente daqueles controladas pelo Estado.

Mas é verdade que há uma diferença importante entre nós e a Tunísia. Ainda que fosse uma ditadura, a Tunísia tinha uma federação sindical semi-independente. Mesmo que sua direção colaborasse com o regime, os seus membros eram sindicalistas militantes. De modo que, quando chegou a hora das greves gerais, os sindicatos puderam se somar. Mas aqui no Egito tempos um vazio que pretendemos preencher rapidamente. Os sindicalistas independentes foram alvo de uma caça ás bruxas desde que trataram de se estabelecer; já há processos iniciados contra eles pelos sindicatos estatais e respaldados pelo Estado, mas eles seguem se fortalecendo apesar das continuadas tentativas de silenciá-los.

É certo que, nos últimos dias, a repressão foi dirigida contra os manifestantes nas ruas, que não são necessariamente sindicalistas. Esses protestos reuniram um amplo espectro de egípcios, incluindo filhos e filhas da elite. De modo que temos uma combinação de pobres e jovens das cidades junto com a classe média e os filhos filhas da elite. Penso que Mubarak conseguiu agrupar todos os setores da sociedade com exceção de seu círculo íntimo de cúmplices.

A revolução tunisiana foi descrita como fortemente liderada pela juventude e dependente para seu êxito da tecnologia das redes sociais como Facebook e Twitter. E agora as pessoas se concentram em torno da juventude no Egito como um catalisador importante. Trata-se de uma “intifada juvenil” e ele poderia ocorrer sem o Facebook e outras novas tecnologias midiáticas?

Sim, é uma intifada juvenil na rua. A internet desempenha um papel na difusão da palavra e das imagens do que ocorre no terreno. Não utilizamos a internet para nos organizar. A utilizamos para divulgar o que estamos fazendo nas ruas com a esperança de que outros participem da ação.

Como deve ter ouvido, nos EUA, o apresentador de programas de entrevistas Glenn Beck atacou uma acadêmica, Frances Fox Piven, por um artigo que ela escreveu chamando os desempregados a realizar protestos massivos por postos de trabalho. Ela recebeu inclusive ameaças de morte, algumas de pessoas sem trabalho que parecem mais felizes fantasiando sobre usar uma de suas numerosas armas do que lutando realmente por seus direitos. É surpreendente pensar no papel crucial dos sindicatos no mundo árabe atual, tendo em conta as mais de duas décadas de regimes neoliberais em toda a região, cujo objetivo primordial é destruir a solidariedade da classe trabalhadora. Por que os sindicatos seguiram sendo tão importantes?

Os sindicatos sempre são o remédio mágico contra qualquer ditadura. Olhe a Polônia, a Coréia do Sul, a América Latina ou a Tunísia. Os sindicatos sempre foram úteis para a mobilização das massas. Faz falta uma greve geral para derrotar uma ditadura, e hoje não há nada melhor que um sindicato independente para fazê-lo.

Há um programa ideológico mais amplo por trás dos protestos, ou o objetivo é mesmo livrar-se de Mubarak?

Cada um tem suas razões para sair às ruas, mas eu suponho que se nosso levante tiver êxito e derrubarmos Mubarak aparecerão divisões. Os pobres querem impulsionar a revolução para uma posição muito mais radical, impulsionar a redistribuição radical da riqueza e combater a corrupção, enquanto que os chamados reformistas querem colocar freios, pressionar mais ou menos por mudanças “desde cima” e limitar um pouco os poderes, mas mantendo alguma essência do Estado atual.

Qual é o papel da Irmandade Muçulmana e como influencia o cenário atual o fato de ter permanecido até aqui distante dos atuais protestos?

A Irmandade sofreu divisões desde a eclosão da intifada al-Aqsa. Sua participação no Movimento de Solidariedade à Palestina quando se enfrentou com o regime foi desastrosa. Basicamente, cada vez que seus dirigentes chegam a um compromisso com o regime, especialmente os acólitos do atual guia supremo, desmoralizam seus quadros da base. Conheço pessoalmente vários jovens que abandonaram o grupo. Alguns deles se uniram a outros grupos, outros seguem independentes. A medida que cresce o atual movimento de rua e os militantes da base participam, haverá mais divisões porque a direção superior não pode justificar por que não toma parte desse novo levante.

[N.T. Nesta segunda-feira (31), a Irmandade Muçulmana divulgou um comunicado rejeitando o novo governo e pedindo que prossigam as manifestações para a queda do regime do presidente Hosni Mubarak]

Qual o papel dos EUA neste conflito? Como as pessoas na rua avaliam suas posições?

Mubarak é o segundo maior beneficiário da ajuda externa dos EUA, depois de Israel. Ele é conhecido como o capanga dos EUA na região; é um dos instrumentos da política externa dos EUA, que implementa seu programa de segurança para Israel e assegura o fluxo sem problemas do petróleo enquanto mantem os palestinos confinados. De modo que não é nenhum segredo que esta ditadura goza do respaldo de governos dos EUA desde o primeiro dia, inclusive durante a enganosa retórica em favor da democracia protagonizada por Bush. Por isso, não há surpresa diante das risíveis declarações de Clinton, que mais ou menos defendiam o regime de Mubarak, já que um dos pilares da política externa dos EUA é manter regimes estáveis a custa da liberdade e dos direitos civis.

Não esperamos nada de Obama, a quem com sideramos um grande hipócrita. Mas esperamos que o povo estadunidense – sindicatos, associações de professores, uniões estudantis, grupos de ativistas – se pronunciem em nosso apoio. O que queremos é que o governo dos EUA se mantenha completamente fora do assunto. Não queremos nenhum tipo de apoio, simplesmente que corte imediatamente a ajuda a Mubarak e retire o apoio a ele, e também que se retire de todas as bases do Oriente Médio e deixe de apoiar o Estado de Israel.

Em última instância fará tudo o que for preciso para se proteger. De repente, pode adotar a retórica mais anti-americana que se possa imaginar se isso puder ajudar a salvar sua pele. No final das contas, está comprometido com seus próprios interesses e se avaliar que perderá o apoio dos EUA, se voltará em outra direção. A realidade é que, qualquer governo realmente limpo que chegue ao poder na região, entrará em um conflito aberto com os EUA, porque proporá uma redistribuição racional da riqueza e terminará com o apoio a Israel e a outras ditaduras. De modo que não esperamos nenhuma ajuda dos EUA. Só que nos deixem em paz.

(*) Mark LeVine é professor de história na universidade da Califórnia Irvine e pesquisador visitante sênior no Centro de Estudos do Oriente Médio na Universidade Lund, na Suécia. Seus livros mais recentes são
Heavy Metal Islam (Random House) e Impossible Peace: Israel/Palestine Since 1989 (Zed Books). 


Fonte: http://english.aljazeera.net/indepth/features/2011/01/201112792728200271.html

Traduzido do inglês para o Rebelión por Germán Leyens


(*) Traduzido do espanhol para a Carta Maior por Marco Aurélio Weissheimer