quinta-feira, 29 de julho de 2010

Por que a Venezuela?

Revolução bolivariana: apoio popular a Chávez e repúdio aos Estados Unidos.
Ángel Cabrera Guerra, do La Jornada (México)
O motivo principal do conflito entre Colômbia e Venezuela e sua recente escalada é o fato de a revolução bolivariana confrontar o plano dos EUA de dominar a América Latina. A Venezuela, país com uma das maiores reservas de petróleo e gás do mundo, tem um percurso independente rumo ao socialismo, promove a democracia participativa, a unidade e a integração da América Latina, a solidariedade, a paz e a cooperação entre os povos -- e isso é intolerável para o império. Muito mais agora, quando, impulsionados por sua sede insaciável de petróleo e de recursos naturais cada vez mais escassos, os EUA entram em uma corrida armamentista permanente para o controle dos países que possuem esses recursos e das populações que os habitam. Tudo com o pretexto cínico de lutar contra o terrorismo e  contra o tráfico de drogas -- logo os EUA, campeão mundial do terrorismo, primeiro lugar no mercado de drogas internacional, cujas receitas constituem uma parte importante de seu sistema financeiro. A elite estadunidense irrita-se com a amizade entre Venezuela e Cuba e com o aprofundamento dos passos da união econômica de ambos os países -- um preâmbulo, ao que parece, para sua união política. Raúl Castro resumiu muito bem o significado desses passos em uma reunião cubano-venezuelana de alto nível na simbólica data de 26 de julho: só unidos venceremos.
O império não perdoa o importante papel da Venezuela na liquidação da ALCA -- projeto de recolonização continental -- e o surgimento da ALBA, que pratica relações mais fraternas e em pé de igualdade entre os países-membros e que as promove com todas as nações da América Latina e do Caribe. Em resposta à Venezuela bolivariana, aos grandes movimentos populares antineoliberais e aos governos mais independente gestados por esses movimentos, Washington restabeleceu a IV Frota e chegou ao extremo de instalar sete bases militares na Colômbia -- esse fato, juntamente com outros fatores presentes nesse país, tornou-se uma grave ameaça de agressão a Caracas, que havia se esforçado seriamente por manter relações bilaterais. Nesse contexto ocorre a acusação precipitada do representante de Bogotá à OEA, afirmando que Caracas mantém acampamentos guerrilheiros colombianos em seu território, uma provocação gravíssima que colocou em sério perigo a paz entre os dois países irmãos, provocação gerada pelo fanatismo pró-ianque  de Álvaro Uribe e seu desejo febril de protagonismo desde que seu projeto de reeleição foi frustrado.
O presidente Hugo Chávez tem feito tudo que está a seu alcance para harmonizar as relações com a Colômbia e evitar conflitos bilaterais. De fato, a pedido de Uribe, Chávez tornou-se fator primordial para o afrouxamento da longa guerra de 60 anos na Colômbia, insistindo sempre na necessidade de uma solução política para o conflito. Com justa razão, Chávez conclamou os movimentos guerrilheiros FARC e ELN a entender que a nova realidade política exige uma alteração na estratégia de tomada do poder pela força das armas -- essa estratégia deve ser substituída pela negociação, sem que isso signifique rendição. Chávez informou dolorosamente o rompimento de relações com a Colômbia: disse ter feito o anúncio com uma lágrima no coração.
Lula da Silva comentou sua estranheza em relação à atitude de Uribe, quando faltam poucos dias para que ele deixe o palácio presidencial: "O novo presidente (Juan Manuel Santos) tem dado sinais claros, inclusive na escolha dos ministros, de que quer construir a paz". Lula, juntamente com o equatoriano Rafael Correa, presidente pro tempore da UNASUL, e com Nestor Kirchner, atual secretário-geral da organização, agiu rapidamente para manter o assunto no âmbito da UNASUL -- um espaço, ao contrário da OEA, favorável, graças à ausência de Washington, à expressão plena dos interesses da América Latina e do Caribe. A UNASUL já demonstrou sua capacidade de produzir acordos políticos, e agora essa capacidade é mais necessária do que nunca, para a região em geral e para a Venezuela em particular. A provocação de Uribe; a captura do terrorista Francisco Chávez Abarca, sócio de Posada Carriles que confessou ter chegado à Venezuela com planos de desestabilização política; os ataques destemperados do arcebispo de Caracas ao governo bolivariano  e os montes de dinheiro entregues por Washington à contrarrevolução configuram o quadro subversivo com que se pretende frustrar a vitória chavista nas estratégicas eleições de setembro próximo.

Para saber mais sobre a revolução bolivariana e seus resultados práticos...

Uma década de revolução bolivariana
Altamiro Borges, para América Latina en Movimiento (3/2/2009)
Empossado em 2 de fevereiro de 1999, o presidente Hugo Chávez completa 10 anos a frente da “revolução bolivariana” na Venezuela. Sua inesperada eleição, em dezembro de 1989, com 56% dos votos, foi uma resposta à devastação neoliberal e representou duro golpe ao bipartidarismo oligárquico imperante neste país desde 1958 – através do pacto de “Punto Fijo”. Ela deu início a uma experiência inédita na América Latina, com a vitória de inúmeros governantes progressistas, antineoliberais, e recolocou na agenda política o debate sobre o “socialismo do século 21”.

Nesta uma década, Hugo Chávez, que chegou ao governo sem contar com partidos estruturados e movimentos sociais consistentes, enfrentou enormes obstáculos. Além dos problemas estruturais de um país miserável, ele foi alvo da fúria das elites racistas, das conspirações do imperialismo e do cerco da mídia. Com base no apoio popular e num núcleo nacionalista das forças armadas, ele derrotou o golpe de estado de abril de 2002, o locaute petroleiro de dezembro/janeiro de 2003 e incontáveis iniciativas de desestabilização do seu governo. Segundo pesquisa recente, atuam no país 271 organizações não-governamentais financiadas pelos EUA e com propósitos golpistas.
“A palha e o furacão revolucionário”
Num processo radicalizado, ele insistiu na via democrática, ao contrário do que alardeia a mídia. Hugo Chávez enfrentou e venceu três eleições presidenciais (1998, 2000 e 2006), três referendos constitucionais (dois em 1999 e outro em 2004), quatro pleitos executivos (2000, 2004, 2005 e 2008) e dois legislativos (1999 e 2005). Na mais recente disputa, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) conquistou 17 dos 23 governos estaduais e 233 prefeituras (80% das existentes). Nesta trajetória, ele sofreu apenas uma derrota, no referendo de dezembro de 2007.

A cada nova vitória, Chávez foi firmando sua convicção no projeto bolivariano. “Eu sou apenas uma débil palha arrastada pelo furacão revolucionário”, explica. Após derrotar o golpe de 2002, ele exonerou os generais golpistas e acelerou os programas sociais. Com a derrota do locaute, ele demitiu a casta de diretores e gerentes endinheirados e assumiu, de fato, o comando da poderosa empresa de petróleo da Venezuela – a PDVSA. Ele também enfrentou a ditadura midiática, não renovando a concessão pública da RCTV e incentivando rádios e TVs comunitárias. A partir da eleição presidencial de 2006, Chávez anunciou sua idéia híbrida do “socialismo do século 
21”.
Mudanças políticas radicais
Vários fatores explicam os avanços da revolução bolivariana, com seus ziguezagues e lacunas. A primeira é a radical mudança política no país, com o governo apostando na participação ativa das camadas populares – na chamada democracia protagônica. Através dos comitês bolivarianos, das missiones (programas sociais sob controle da sociedade) e dos conselhos, há um enorme esforço pedagógico para envolver os “excluídos”. Na retaguarda deste processo movimentista aparecem as forças armadas. “Nossa revolução é pacífica, mas não é desarmada”, enfatiza sempre Chávez.

O debate político na Venezuela é dos mais intensos e democráticos. As sucessivas eleições e as várias instâncias de participação popular procuram superar a fragilidade dos movimentos sociais e a debilidade de um processo centrado num único líder. Nesta empreitada se dá a guerra contra a ditadura midiática. Balanço recente indica que, além dos quatro veículos estatais, hoje já existem 250 rádios comunitárias, 24 emissoras de TV sob controle popular, 300 periódicos alternativos e uma potente rede de internet – de 640 mil usuários em 2002 pulou para 4,142 milhões em 2008.
Avanços no campo econômico
Outro fator determinante para os avanços da revolução bolivariana são as mudanças no terreno econômico. Inicialmente, o processo foi até conservador, cauteloso. Com o tempo, as mudanças ganharam ritmo – com a estatização, de fato, da PDVSA, introdução de tributos sobre ganhos das multinacionais e medidas de controle do fluxo de capitais, entre outras de cunho antineoliberal. Procura-se diversificar a base produtiva do país, que continua muito dependente do petróleo, no que se batizou de econômica endógena. Há também o estímulo às cooperativas e às propriedades sociais. Com base nestas medidas, a economia cresceu em média 11,2% nos últimos cinco anos.

Na fase recente, a revolução bolivariana acelerou o processo de estatização de áreas estratégicas, comprando empresas privadas na telefonia (Cantv), energia (AES), siderurgia (Sidor) e bancos (Santander). A proposta do “socialismo do século 
21” ainda é uma peça de propaganda. Diante da grave crise mundial do capitalismo, que afeta duramente o preço e o volume das exportações de petróleo, o governo tenta atrair o chamado setor produtivo. Em julho passado, promoveu um encontro com 300 empresários e lançou um forte programa de subsídios às empresas. Há muita polêmica sobre o lançamento de uma nova NEP, a exemplo do ocorrido na revolução soviética.
A força dos programas sociais

O que dá forte impulso à revolução bolivariana, porém, são os programas sociais implantados nestes 10 anos. Três reportagens recentes – “Uma década de Chávez”, da revista Carta Capital; “Chávez, as dez vitórias e a mídia”, do jornal mexicano 
La Jornada; e “A nova Venezuela do presidente Chávez”, do periódico francês Le Monde Diplomatique – evidenciam o esforço do governo para melhorar a vida da sua população. A oligarquia racista, a imperialismo e a mídia venal até hoje não entenderam estas mudança. Vale à pena listar alguns dados do período 98-07:

- Miséria extrema: baixou de 20,3% para 9,4%;

- Pobreza: de 50,4% para 33,07%;

- Diferença entre riqueza/pobreza: de 28,1% para 18%;

- Mortalidade infantil: de 21,4 para 13,9 para cada mil nascidos vivos;

- Desemprego; de 16,06% para 6,3%;

- Salário mínimo: de 154 dólares para 286 dólares, o mais alto da América Latina;

- Aumento do poder aquisitivo: 400%;

- Investimento na educação: de 3,38% para 5,43% do PIB;

- Educação básica: de 89,7% para 99,5% das crianças;

- Educação superior: de 21,8% para 30,2% dos estudantes;

- Investimento em saúde: de 1,36% para 2,25% do PIB.

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro Encruzilhadas do sindicalismo (Editora Anita Garibaldi).
  
http://altamiroborges.blogspot.com
http://alainet.org/active/28767〈=es

Nenhum comentário:

Postar um comentário